quinta-feira, abril 03, 2008

EU ERA DA INOCÊNCIA





Especialmente para ANDRÉIA FRATIN

assemos longe de um duelo. É passado já o tempo dos duelos, ao menos, daqueles cheio de rituais, aos quais se ia, padrinhos e assistentes, vestidos a caráter, e duelistas trajando seu próprio caráter, discutível sob um ponto de vista anacronicamente, do nosso ponto de observação, contemporâneo, pacifista, com o argumento moderno, mas pouco levado a sério, de que a palavra, que é também uma arma, e das mais poderosas, é capaz de resolver as querelas, sem se disparar um só tiro, sem uma só estocada de florete – como se uma palavra “corretamente” disparada não pudesse ferir, profundamente, mesmo ferir de morte, ressalvado o poder ressuscitador dessa mesma metáfora; como se uma palavra manejada com talento de esgrimista, mesmo que por um diletante nesse esporte, mesmo que um aprendiz ainda, desde que aplicado, nessa arte, não pudesse, atingindo – touché! – um ponto vital, não fosse capaz de provocar danos irreversíveis, mesmo sem o risco de morte, sendo que a cicatriz disso, inapagável, seria justamente o portar a marca de uma ferida da qual não se morreu, carregando consigo esse desonroso diadema de uma palavra que se teve de engolir, não se sendo forte o bastante para retrucar com outra, se não mais forte, garantindo assim, para si, a vitória, pelo menos uma palavra em pé de igualdade, fazendo com que a ferida, e a vergonha, seja(m) partilhada(s).

Com essa época que se foi, quase digo que se foi embora, juntamente, a era da inocência: isso, porém, seria uma demonstração pueril de uma inocência que já não me é permitida, na medida em que inocência nenhuma era alguma conheceu, de verdade, só assim se dizendo numa comparação, indevida, de uma era, que tem suas próprias características, com outra, com suas próprias idiossincrasias. Fato, no entanto, é que, tenha sido predicado de outra era, com mais tempo para mesuras, com menos competição entre gêneros (é verdade que isso escorado na prevalência de um gênero sobre o outro), o cavalheiro cedia sua vez, seu lugar (sem, contudo, abandonar sua posição inabalável de gênero prevalente) à dama, até, diante de uma argumentação dela (tacitamente, os cavalheiros não admitiam que elas pudessem tecer argumentos, o que já demonstra que inocentes eles nunca foram), admitindo, da boca para fora, seu próprio erro, em favor da dama, ainda que isso o fizesse, num reverso da face pública do seu ato, gozar, intimamente, da situação, acentuando, só para si, o erro da mulher: também, haveriam de dizer (se não hão ainda de falar assim), o que se poderia esperar de uma...dama?!

Não cedo. É tarde para isso. Numa competição, numa espécie de esconde-esconde no mato, sem que isso signifique, na moita, um jogo de lasciva ludicidade entre gêneros diferentes, em que se sagrará vencedor o bicho que melhor se esconde nesse mato (cutucando bem, desse mato até que pode sair cachorro), sou o ganhador, de cara – embora a vitória seja dada justamente a quem menos exibe a sua.

Serei um inocente perdido em meu próprio tempo, um viajante extraviado de outra era, ou serei, entre todos os cavalheiros, o mais ladino, aquele que, demonstrando uma fraqueza atávica para armas de fogo, atira palavras, com mira de impressionar num canhoto desajeitado, o mesmo que, sem talento para manejar uma faca, que dirá uma espada, arrisca-se com o lápis, examinando, num golpe de olhos, o adversário (porque, para um cavalheiro, é duro admitir que seu contendor é de outro gênero), e, com precisão quase cirúrgica, riscando, ali, a palavra exata?

O que sou, não sei. O que sei é que tudo isto soa a mais um tiro que saiu pela culatra. Também, quem mandou eu não me empenhar mais nas aulas de tiro ao alvo, preferindo dar mais atenção à elegante dança da esgrima de palavras?!