sábado, novembro 01, 2008

REQUIESCAT IN PAX





squeçamos os mortos!...e não, com a desculpa egocêntrica, porque (nós) estamos vivos, embora esquecimento e lembrança sejam possibilidades só compreensíveis, se se está vivo. É que a morte é o outro nome do esquecimento; e querer lembrar o que já morreu é tão bizarro (cada qual com sua esquisitice) quanto não lembrar os vivos, ainda que, não sem freqüência, digamos, com sinceridade que não pode, de pronto, ser medida com precisão, que há mortos que permanecem tão vivos, ocultando, como um pensamento enterrado ainda em vida, que não são poucos os vivos que parecem mortos - e pelo esquecimento que desaba sobre alguns, inumados e com uma pedra em cima. Aliás, é só mesmo uma pedra comum, sequer com intenção de ser um marco, um sinal que torne fácil um futuro reconhecimento, mas apenas um peso para que o esquecido, com o vento, não levante voo, de novo, e acabe por pousar, outra vez, em nossa cabeça; é uma pedra no nome, mas não é uma lápide, apesar da situação em que se encontra, com palavras escritas, não comportando nem mesmo um nome, legível no começo, fatalmente apagado com o tempo, seja a tal pedra comum de verdade ou um pedaço de mármore falso.

É da natureza dos mortos serem esquecidos, se ainda pudermos lhes atribuir uma natureza, sendo mais provável, indiscutível a nossa, ser da natureza dos vivos esquecer...e não só os mortos.

Pode-se argumentar - esse desperdício de tempo a que muitos vivos se dedicam, refletindo sobre os mortos - que sem a lembrança desses mortos não haveria história, sendo da "natureza" desta, constantemente, sem que torçamos o nariz para isso, sem que (re)viremos os olhos para não testemunhar tal espetáculo (escatológico?), exumar o que já foi, devidamente ou em valas comuns, sem qualquer pedra indicadora, enterrado: já não basta o que nossa memória tem de suportar, com vivos em progressão, alguns com nomes repetidos, o que exige um esforço maior de individualização, como se fosse necessário identificá-los com uma pedra diferente, para ainda nos obrigarmos a acumular esqueletos nesse armário que é a memória, eventualmente com um fundo falso, mas do qual, pela sobrecarga a que está submetida a memória, nos esquecemos, às vezes "mortos" de vontade de encontrar uma saída dessas, falsas que sejam, uma ligação secreta entre um armário encostado à parede, em pleno uso do seu direito de ser esconderijo, e um outro cômodo no qual poderíamos nos encontrar (secretamente, claro!) com um vivo que não pode aparecer, ou onde poderíamos esconder um morto que desejamos esquecer, mas que insiste em (nos) aparecer, a todo instante, com suas lembranças.

Se mortos, os mortos o são e nada mais: lembrar o quê? Se vivos, esses mesmos "mortos", em outra dimensão (como se houvessem sido trancados num armário, com a intenção de ser isso para sempre, e descobrirem ali o fundo falso da vida - ou o verdadeiro fundo da morte - e fizerem a "passagem"), deixemo-los, de todo jeito, para lá, porque, lá (no fundo, todos gostaríamos de nisso acreditar), de nada adiantam as nossas lembranças daqui, e insistir nisso é como, a todo instante, assustar quem já passou pelo armário, desse para "lá", com a possibilidade de voltar a ser só mais um esqueleto no armário, esquecido lá ou apenas lembrado...como o quê?