sexta-feira, março 20, 2009

Bel.ZEBU ou o ADVO-GADO



anca de advocacia eu nunca tive. Mas, não sei se em meu juízo perfeito, vou, aqui, “botar banca”, bancando o advogado do diabo: e este, para muitos (advogados), é o cliente perfeito, quase, se a expressão couber, um cliente caído do céu – nesse caso, caído sim, e talvez de um céu em que já não se entendia com o Juiz Supremo –, na medida em que, com suas infinitas diabruras, encapetado como só ele, o que não faltam são “crimes”, podendo-se, assim, estender-se o processo pelos séculos dos séculos (amém!), sem contar com os inúmeros recursos (e todo mundo sabe quão cheio de recursos, e de recur$o$ é esse diabo de cliente), postergando, enfim, o tão aguardado juízo final.


A presunção de inocência (In dubio pro reu) soa-nos como uma grande conquista da sociedade democrática, do estado de direito: que ninguém seja considerado culpado, até que se prove em contrário, provando-se sua culpa. No entanto, essa mesma presunção cria em alguns inocentes certa presunção, tornando-os presunçosos, como se, inocentes uma vez, para sempre (amém!) assim, levantando-se a suspeita de que possam ter, sim, alguma culpa no cartório.



É só uma questão de se procurar. Além de paciência, já que o que não faltam nos cartórios, sem contar as incontáveis notas, são as tais culpas, culpando-se, frequentemente, por isso, o próprio tabelião (de notas), quando, nesse processo todo, ele pode ser, sem querer ser presunçoso, o mais inocente de todos.



Se eu disser que culpa todos nós temos (no cartório), ficará no ar, pelo cheiro de “maçã” a se espalhar, a suspeita de um Pecado Original. Se, ao contrário, não podendo apresentar irrefutáveis provas, eu afirmar, como princípio infalível, a inocência, serei tomado, por essa presunção assumida, por um exagerado inocente – portanto, culpado desde já, ao menos, pelo exagero.



Então é que deixo de lado toda essa Filosofia do Direito e, autoconstituído advogado dele, concentro meus esforços nessa defesa dos diabos, ainda que o cliente seja singular: mas não faço isso para provar, em antológica defesa, que o diabo é inocente – porque dizer isso a seu respeito seria desacreditar meu próprio cliente –, e sim para, surpreendendo a todos, reiterar sua culpa, abrindo mão, mesmo com a falta de provas em contrário, da presunção de inocência.


Os mais curiosos, talvez, estejam se coçando para saber o valor dos meus honorários na defesa dessa causa, e de que forma meu cliente me pagará. Alívio para essa coceira: meu pagamento há de vir na forma de uma grande gargalhada, quando o juiz, adaptado aos burocráticos ritos processuais, agindo automaticamente, pedir, com a autoridade que lhe é de direito, que o diabo do meu cliente levante a mão direita e jure dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade: quá, quá, quá, quá! Isso já é muito mais do que eu merecia ganhar.






domingo, março 01, 2009

TUDO DE FACHADA




omo falsas realidades são capazes de criar sentimentos verdadeiros! E isso não é (apenas) coisa de um cinema em que se lançou, com todo o aparato estrondoso de uma estréia planejada para atingir diretamente o alvo escolhido, por mais universal e genérico que este seja, bombas de gás lacrimogêneo, tendo-se antes o cuidado de não se permitir a entrada dos espectadores portando “corriqueiras e usuais” máscaras antigas, além daquelas que já se carregam sempre, elas mesmas carregando-nos, carregados nós já com os disfarces indispensáveis para não sermos, inclusive, reconhecidos nessa sala lacrimejante, estas também carregadas com um potencial de sentimentos sinceros e só à espera de que uma realidade, até falsa, puxe o pino, destrave o mecanismo que mantém concentrada toda a energia de uma granada de mão, dispersando, assim, seus efeitos pelos ares, levando aos quatro ventos não só sentimentos, que, por natureza, são um tanto instáveis, mas a própria sala de cinema, às escuras então, clareando-se pelas conseqüências da detonação.


Não há contradição, em se falando de sentimentos, ao se fazer intervir aí – aqui – um pouco de razão, até porque, se há sentimentos, há também realidades, falsas que sejam. É com (a) razão que se há-de fazer uma objeção, ou duas: como, sendo falsa, uma realidade poderia gerar algo de verdade? e se assim o faz, essa verdade do fato, não sendo uma verdade como se disse, sustentada por uma base real mas falsa, não será verdadeiramente uma aparência, uma aparição fugaz que logo, por conta de um tiquetaque real, vai-se revelar o que “realmente” é, o que é de verdade, ou seja, um sentimento falso, apesar de se o sentir com toda a comoção experimentada com sentimentos, de fato, verdadeiros? E ainda, se o sentimento em questão é verdadeiro, mesmo que então seja o efeito, e tenha assim de vir necessariamente depois, como pode ter partido de uma falsa realidade?


Não! não chamaremos o cinema para nos auxiliar, com seu exemplo, nem sempre dos melhores, de sala à penumbra, dizendo o quanto podemos nos emocionar, verdadeiramente – seja por efeito de gás lacrimogêneo, seja pelo efeito especialmente hilariante de um outro gás –, assistindo a realidades fabricadas (e há fábricas bem sucedidas de “falsidades” em série): e dizer, ainda em busca de ajuda, que a fábrica de sentimentos é inspirada em sentimentos artesanais, manualmente elaborados, feitos um a um, sem que haja dois exatamente iguais, mesmo que se fabrique muitos parecidos uns com os outros!


Talvez devêssemos ficar mais atentos à (nossa?) realidade, e não para contrapô-la aos lançamentos aparatosos do cinema, mas para melhor observarmos que pouca diferença faz, se se sente isso verdadeiramente, que a realidade seja falsa; realidades daquelas que cedem facilmente a uma investigação mais rigorosa: e quem sabe alguma coisa de cinema sabe também o quanto ele é capaz de fabricar chãos, removíveis após as filmagens, bem mais firmes do que aqueles em que realmente pisamos – a falsidade de um terreno não se mensura pela sua falta de firmeza, porque há terrenos sólidos e também os há bastante movediços, sem que isso os faça mais ou menos verdadeiros.


De todo jeito, o cinema será sempre, enquanto puder (nos) emocionar, uma boa fábrica de máscaras em série, desde que, ávida por bilheteria monumental, não queira, ambiciosa demais, lançar uma máscara à prova de lágrimas (ou de risos... lacrimejantes). Assim, querendo ganhar tudo de uma vez, perder-se-á, cinema que é, para sempre.