quarta-feira, abril 01, 2009

BABO POR BABETTE: E ISSO É UMA FESTA!

osta a mesa, todos os pratos se apresentavam em postas, num espetáculo que, embora fracionado em porções, mantém sua integridade de iguaria de dar água na boca. São postas de peixe – e são postas de verdade(s); são postas de carne – e são mentiras impostas; e isso segue assim, nesse desfile sem específica estação, até o fim, quando, frutas da época, a sobremesa se faz em compotas. Mas, afinal, que banquete é esse?

Bem, já se sabe que é um banquete, o que é já saber alguma coisa, mesmo que isso, por enquanto, não signifique muito. E se o é, há de ser para muitos talheres: e o melhor dos banquetes pode se dar, velado pela toalha caindo como panejamento de imagem sacra, sob a mesa, transgredindo-se não só a ordem dos talheres, em legítima prata (da casa), como é mesmo de lei, ainda que a prata não seja assim, em ágapes desse gênero, sendo mesmo, em certos casos, sua função principal.

Para o peixe, a colher cujo destino inexorável, se a vida não lhe der sopa, ou sequer uma colher-de-chá, é mesmo afundar em caldas melosas, coloridas ao sabor da fruta e ao gosto do açúcar queimado, trazendo de lá, do fundo, como resquícios do abismo, cravos-da-índia e fragmentos de canela-em-pau, tal qual porções sem utilidade, pelo tamanho de agora, de uma tábua de salvação em tamanho natural e único, podendo vestir qualquer corpo, independentemente do seu porte, anão ou atlético, não se descartando os anões atléticos, até porque, na hora da redenção, desse resgate em alto-mar, de docilidades em trabalhadas compoteiras de cristal Bacarat, salve-se quem puder!, e ninguém há de querer esperar pela renovação do estoque de tábuas de salvação para chegar, enfim, a terra firme, esbanjando ainda uma elegância sem apertos, o que é, aliás, muito justo, e sem ainda folgas em demasia, o que parece injusto com o corpo atlético.

Para a carne, talher de peixe – como se fundamental diferença fizesse, a não ser quanto ao fio da faca, a sua capacidade de, mesmo já estando em postas, seccionar a carne em bocados que enchem a boca, sem ultrapassar o limite de civilidade auto-imposta(s), até se aproximando, perigosamente, de porções tão mínimas, em nome das boas maneiras à mesa, que pode alertar os olhos do anfitrião para um possível erro na escolha do homem nu que serve de roteiro para esse festival de pratos, todos eles retirados de uma carta de intenções escrita em vermelho exangue de um vinho tinto e cujas linhas, passado o efeito do álcool, evaporaram-se.

Pulando, mas sem correr dessa Festa de Babette, sublimando na toalha de mesa e guardanapos bordados em sua alma de linho puro os enxovais de uma cama da qual se foi, após enxovalhos rituais, expulso, apesar da água na boca (com sinais ainda na baba presente no travesseiro) e também nos enxovais de banho em felpudas fibras que não enxugam lá muito bem, vamos, logo, à sobremesa – que, a essa altura, sabemos o que é, restando se dizer, nessa troca de papéis, saboreada com que talher. Se se deu (uma) colher para o peixe, e para a carne de ofereceu um garfo de peixe, daqueles que, quando riem, exibem a falta de um dente, para encerrar essa orgia da língua, sem, até aqui, ter-se recorrido a palavrão de baixo-calão (a não ser que ouvidos mais puritanos considerem assim “um menu” em cuja anatomia não se entrou...em detalhes, não se sabendo, portando, se esse homem nu, com carta na mão, é um anão atlético ou se, apesar da pompa com que é apresentado, em mão, é um atleta em miniatura), comamos a compota, não com o garfo e faca que se crava e se corta (n)a carne: comemo-la com as próprias mãos. Como? Segurando a fruta pelo talo, que passou incólume, mantendo considerável rigidez para um náufrago que viveu longas horas em tacho fervente.

Agora, lambuzados os dedos, antes de marcar com digitais caramelizadas o guardanapo alvo, lambamos, nessa lambança, os dedos, mesmo à vista dos mais conservadores à mesa (não o sendo, igualmente, na cama ou no banho), já que transformamos a premeditada elegância nessa comilança, infantil, de palavras, como crianças ainda não educadas nos rigores exigidos, mas, no fundo, dispensáveis.