quinta-feira, outubro 01, 2009

O MECANISMO EM GOMOS DE UMA FRUTA CÍTRICA















violência sempre esteve debaixo dos nossos olhos. E ainda que isso esteja debaixo do nosso nariz – que é outra maneira, mais olfativa, não, necessariamente, mais, agradavelmente, perfumada, para se dizer o mesmo –, a violência, desconfio (e quanta violência não nasceu “justamente” da desconfiança?! longe de mim, porém, atribuir a uma falta de fé toda a responsabilidade do mundo), está mesmo um passo adiante.

Falando assim, não quero tirar o (meu) corpo fora – apesar de haver os defensores, com, às vezes, argumentos indefensáveis, de que há, verdadeiramente, violências contra o espírito, até muito dolorosas, elas são sentidas, sobretudo, na carne, para além da flor-da-pele –, ao, aparentemente, responsabilizar, por tanta violência, algum atavismo que nos acompanha, recebido por herança (paterna ou Paterna? materna ou de uma má mãe pouco terna?) e sobre a qual temos quase nenhum império, aquele que é indispensável para se a subjugar: e a depender do método de subjugação, isso seria, para pôr-lhe fim, gerar mais violência.

O que afirmo, aqui, precavidamente, sem mão demasiado firme, seja porque me falta autoridade na matéria, seja por me faltar aquela força manual que empresta aos gestos sua impressão decidida, é que essa violência brinca, não estando a ludicidade pedagógica isenta de uma violência didática, na soleira, à porta dos nossos olhos, mesmo que os mais poéticos insistam em deles, dos olhos, falar como se fossem a janela (e não a porta) da alma. Estando ali, está, simultaneamente, com um pé para fora, objetivamente, no mundo externo a nós, e com o outro, subjetivamente, já dentro de nós próprios.

Pode, à primeira vista, parecer divertido, tanto quanto o jogo do ovo-e-da-galinha, disputando ambos, ovo e galinha, pela primazia, discutir-se se somos nós, com nossa violência interna, que geramos a violência do mundo, ou se este (como se no mundo tudo se restringisse, matematicamente, a apenas dois lados da questão), com toda sua violência, é que, entrando-nos pelos olhos, contamina-nos, mesmo quando nos “apreciamos” como tão pacíficos.

De um lado, dispõem-se os defensores de uma violência que é da própria condição do homem, contratualistas hobbesianos, tendo-se, assim, o mundo se ordenado com o objetivo de conter essa (nossa) maldade, expressa, sem muita originalidade, em violências banais, independentemente do seu potencial de magoar, não percebendo, ou não achando ser suficientemente importante para lhes tirar desse caminho, o quando a “ordem mundial” (do mundo, para conter um pouco o ímpeto de minha língua mundana), querendo pôr freios, solta as amarras. Do outro, não raro, caminhando ombro a ombro, os que tomam o homem pela paz em pessoa, uma bandeira branca, aqui e ali, já maculada pelo mundo, mas, primordialmente, bom – o que, em outras palavras, talvez num resumo de que tanto digo, aqui, gastando-as, desnecessariamente, queira dizer que, a qualquer momento, as manchas venham a ser extintas, seja lá qual for a cor que tenham, com o sabão em pó certo (e que só eles, estes que se põem desse lado da questão, possuem – para vender ou para, em nome da fé, dá-lo, de “graça”, o que pode significar um preço alto demais).

Com gosto especial por expressões clássicas, dizem uns que o mundo, com toda sua violência, é uma bomba-relógio, mirando-a (preferencialmente, longe do seu alcance explosivo) mais como bomba, cujo objetivo é mesmo causar um estrago, e menos como relógio, que pode, se não for uma “bomba” (de relógio), indefinidamente, passar o tempo, em rotinas diárias, sendo as maiores explosões um destempero doméstico fugaz.

Com gosto por um silêncio ritual, há os que, admitindo sua própria violência, contando consigo próprio, quase que exclusivamente, por mais que tenha companhia, agem para que, a partir de si mesmos, contendo-se, experimentando na própria carne uma contenção (a outros olhares, uma grande autoviolência), o mundo se liberte da violência.

E é bem possível que um deles, vindo de um dos lados (da questão) e outro, vindo de outro, passem lado a lado e, casualmente, toquem-se, num esbarrão: um, destemperado, age, desproporcionalmente ao leve roçar, com violência, talvez por não estar acostumado a essas eventualidades do mundo, fechado em si como vive; o outro, já acostumado a esses toques, até com mais violência do que esse que, na comparação, foi quase imperceptível, não altera seu caminho, e ou ri de uma violência exagerada para motivo vão, ou, já adaptado, na vida diária, às violências, mesmo desejando conter-se, responde de um modo que chama de “à altura”.

Assim caminha a humanidade – mas, a bem da verdade, aqui, o filme é outro.