domingo, novembro 01, 2009

A FÁBULA DO (REI) LEONE
















ra uma vez...uma fábula. E não vou, aqui, contar nenhuma fábula, porque sei que ninguém mais dá ouvidos para isso. Houve, porém, um tempo – e o tempo, especialmente, o que já foi, é matéria-prima das boas fábulas, mesmo que, um dia, esse tempo, tomado, hoje, como passado, tenha sido tão presente – em fábulas eram favas contadas, podendo, por certas semelhanças, ao menos, a olhos mais ligeiros, mais interessados na “estória” do que, propriamente, em seus aspectos mais formais, ser tomadas por contos de fadas. Não que nesses dias não houvesse o peso, que sempre existiu, da realidade; do seu império, algo arbitrário, sobre o sonho. O que, então, sobrevivia era a admissão da fábula, como um aspecto da própria realidade, por mais que – realidades, cada qual a sua maneira – entrassem em conflito. Passados esses heroicos tempos, quem ainda se dispõe a ouvir um Era uma vez..., já se mostrando entediado ao escutar as três palavras, exasperando-se, sobremodo, com as reticências a segui-las, enxergando nisso uma história sem fim, diante de suas premências, sejam estas urgências reais ou não passem de uma fantasia escamoteada: porque não nos deixemos, assim, tão facilmente, nos ludibriar, por vezes, a fantasia é, no que tem de mais saboroso, mas sem um sabor que possa ser aprisionado e repetido, segundo critérios mais concretos, mais dura de se suportar do que a mais insípida das realidades sem graça.

Fábulas, em geral, não necessitam, como um requisito básico para sua existência (real?), de um lugar bem definido, interessando mais à fantasia que esse detalhe permaneça em branco, oferecendo assim essa lacuna como um espaço a mais para se fantasiar. Isso de precisão geográfica é coisa de quem faz História, que se vê enredado por documentos, e até documentos que provem a veracidade de outros (documentos), criando, desse jeito, uma teia de registros que mira o incontestável, como um alimento, reconhecidamente, saudável, mas que carece de cheiro, de gosto, de uma textura que desperta olhos, língua, tato, potencializando, para além da sua ingestão, o prazer de comer.

A América – esse remédio genérico para similares mais pobres –, como se saída de uma fábula, já foi vista, e ainda há muitos olhos abertos para isso, como um lugar de riquezas fabulosas: uma gruta repleta de sonhos, mas que exige, idealmente, com muito trabalho, que se conquiste a palavra mágica. E mesmo que o tempo tenha cuidado, como um predador que não cuida de preservar alguma coisa para garantir seu futuro, atendo, tão-somente, a suas próprias necessidades do momento, de desfazer algumas fantasias, outros sonhos sobrevieram, realimentando fábulas, agora, sem paciência pela duração, que não se sabe bem de quanto é, de algum Era uma vez...

Riquezas se renovam: um dia, terra; outro, a conquista do céu – até mesmo, com um tino invejável para os negócios, fazendo da necessidade, nem sempre admitida, de fantasias, uma fonte de riqueza que se alimenta justamente de fábulas: e ainda o são, mesmo quando se mostram com uma dura cara de realidade. No entanto, ávido pelo banquete de agora, acreditando que outros virão, naturalmente, ou crendo, simplesmente, que (nos) basta cuidar do dia de hoje, porque ninguém sabe o (dia) de amanhã, deixou-se de regar as fábulas, as fantasias, os sonhos, tornando-os, até em palavras, uma interferência indevida, e que por isso deve ser afastada, para a renovação das riquezas, sem se dar conta de que, assim, faminto pela coxa da galinha, empenham-se mesmo os ovos de ouro que sequer saíram, sem palavra mágica, senão, talvez, uma onomatopéia dolorida, da gruta da ave.

O sul que somos, fabuloso em ouro, um dia, é quase, hoje, só uma dourada alegoria carnavalesca. O norte, por exaustão, dá sinais de cansaço. O leste – essa fonte de tantas fábulas –, num pragmatismo capitaneado pelo tiranismo da Realidade, derruba suas grutas de sonhos para, no lugar, erguer, em nome da riqueza – essa palavrinha mágica –, grutas, com outros nomes. E o oeste – ah! o oeste de tantos sonhos, tanto para quem, historicamente, lá semeou suas fantasias de ouro, quanto para quem, assistindo a tudo, de cadeira, sem correr o risco de ser ferido por uma das (tantas) balas perdidas, nesse faroeste emocionante, entretinha sua realidade com pepitas faltas, mas convincentes –, por mais que se tente renová-lo, parece, como filão, favas contadas, salvo de alguma fada, extraviada de um conto sem pátria, desejando reviver seus dias de glória, mesmo que nunca fossem as protagonistas, servindo de escada para cinderelas descalças, resolve, com sua varinha, interferir nessa realidade.