segunda-feira, agosto 01, 2011

LÁ-LÁ-LÁ-LÁ









stando aqui, e sempre com esta minha cabeça em outro lugar, desejo, porque assim será melhor para mim, estar lá, mesmo que aqui já me encontre bem. Deixo-me, então, levar pela cabeça e, abandonando as garantias d’aqui, vou, se medir os riscos dessa viagem, como se entrasse, de cabeça, numa aventura, incerta como são, por definição, as aventuras, por mais que se as cerque com cuidados, mesmo é para lá.

Passemos, por ora, por cima do percurso, dos seus acidentes – das quedas eventuais e dos levantares necessários ao seu devido prosseguimento –, e demos já como terminada a viagem. Então, encontro-me aqui, quer dizer, lá, esse lugar a que assim chamava, quando eu estava ainda lá, ou seja, naquele lugar chamado, então, de aqui. Do lado de cá, aqui, num lugar que já fora lá, agora, desejo voltar para lá – como se eu já não estivesse aí –, mesmo sabendo que esse tal lá é só o nome, a distância, daquele velho conhecido aqui, desconfiando, inclusive, de que, chegando lá, e o chamando, de novo, de aqui, poderei, como preso de um círculo, desprezando a segurança, apesar de já ter feito esse caminho, sonhar, novamente, com o que chamarei, então, de lá, e que não passa deste aqui, deste lugar em que ora estou, tendo, como o fiz, saído de lá por não gostar daquele aqui, aspirando a este aqui que via, de lá, como um lá promissor.

Dito assim, fica provado que não tenho mesmo a cabeça (muito) no lugar: mas, eu não a tenho é sempre no mesmo lugar, porque, afinal, se há o que pode criar raízes, devem ser os pés, pela proximidade com o chão, e não a cabeça, que, pela aproximação, deve estar nas nuvens.

A vida de todos nós é um contínuo lá-e-cá, ainda que se leve uma vida lenta, sem tantas idas e vindas, pois desejar o lá daqui e, de lá, aqui, desejar, insistentemente, o lá, velho aqui de antes da partida, é uma constante, e podemos fazer isso dentro do nosso próprio quarto, sem nos deslocarmos, sem, aparentemente, sairmos do (nosso) lugar, sem arrancarmos raízes, pé ante pé, bastando que a cabeça permaneça onde está, no mesmo lugar, e que é não estar sempre aqui ou lá, mas lá e cá, cabeça nas nuvens, sempre a sonhar com um lugar que seja melhor.

Onde, então, a alegria de viver, diante dessa eterna insatisfação com o lugar em que se está? Ela talvez esteja no meio do caminho. Não exatamente na metade dessa estrada, e sim entre o aqui ao qual, estando lá, de lá haveremos de chamar, e o lá, visto, assim, daqui.

Quanto maior a distância entre este aqui e aquele lá, ou, mudando tudo de lugar, para tudo igual ficar, entre aquele lá e este aqui, mais possibilidade de se se alegrar com o caminho há, não esquecendo, contudo, que elastecer a distância pode aproximar-nos não só das alegrias, como das surpresas desagradáveis – e, nesse caso, se estivermos ainda próximos daquele aqui recém-despedido, e a distância, muita até, daquele lá onde pretendemos chegar, pode-se voltar para o aqui, embora, por mais perto que já estejamos, chamaremos, de onde estivermos, de lá. No caso de já termos andado muito e já vencido boa parte do caminho, se as surpresas não nos agradarem, tão próximas de lá, e mais sensato (ao menos, para uma cabeça que esteja no seu devido lugar) nos apressarmos, para logo estarmos lá, batizando, então, esse lugar de aqui, e aí fincando nossa bandeira.

Porém, com ou sem surpresas (se forem as mesmas, já não há de nos surpreender), lá, se o desejo de voltar para aquele conhecido aqui for grande, eis-nos com os pés na estrada, cabeça, resistentemente, nas nuvens, e pé sem raízes criar.

Incessante vaivém! O que daí de pode tirar como lição? Com a cabeça que tenho, jamais no seu lugar, que não se espere que eu tenha aprendido coisa alguma para aqui contar – melhor é deixar isso, de uma vez por todas, para lá. Também não adianta refazer os meus passos, partindo de um aqui, em direção a um lá, porque cada pé, enraizado na própria história, faz sempre seu caminho, ainda que percorra uma estrada que não seja já tão original.

É preciso que cada um de nós viva, aqui, seus próprios desejos de chegar lá; de, lá, voltar para aquele lá/aqui, e, assim, ir pavimentando mais um caminho. É verdade que nem todos precisam não ter, como eu, a cabeça no lugar, mas é interessante não deixar de considerar que desejar e ter a cabeça no lugar é como criar profundas raízes aqui, sem nunca ter ido lá: uma segurança para os pés, sem dúvida, no entanto, juntamente com eles, tão bem fixados aí, ficam o tronco e a cabeça: do tronco, pode-se até o peito sossegar, mas a cabeça, nas nuvens, tão perto de lá, não há de se contentar e, sem poder sair de onde está, quererá estar sempre em outro lugar.