quinta-feira, setembro 01, 2011

HÁ MALAS QUE NUNCA VÊM









inventor das malas com rodinhas talvez tenha sido, um dia, mala-sem-alça, não se descartando a real possibilidade de que tenha sido uma mala mesmo, igualmente “desalçada”, crendo que, quem sabe, com isso, deixaria de ser, por aplicado às (outras) malas as tais rodinhas, facilitando a vida até de outras “malas”, uma sem alça, porque para um mala, mesmo que se saiba da importância de um suporte pelo qual segurar as mala, ter alça significa muito mais do que uma necessidade elementar, quer dizer que esse mala não é sem alça, como dele se diz.

Eu, cá comigo, sem saber a que me dirijo, creio que as rodinhas, tão elogiadas, apesar dessa sua forma arredondada, fora dos padrões estéticos mais desejados, só conseguiram acrescentar a esses(as) malas o que elas já não tinha, ou seja, as alças, sem que, assim, malas-sem-alça, com elas, passassem a ser algo marcadamente diferente daquilo que são: malas!

Nostálgico como sou – e isso é um passo seguro para, em conversas futuristas, ser considerado, à parte a presença ou não da respectiva alça, um(a) mala –, não resisto em dizer bons tempos aqueles em que malas, caras, não eram descartáveis, embora ainda não tenhamos chegado ao ponto (será de ônibus?) de descartá-las, ao fim de cada viagem. Mas é que, antes, as malas duravam muito, chegando, quando não se extraviavam pelo caminho, a passar de pai para filho, ainda que, acesas então outras expectativas quanto à herança paterna, ao se saber do espolio, lá consigo, o herdeiro, mal contendo a decepção, pensasse, a respeito do autor desse testamento: que mala!

E já que me fiz, aqui, mala, e tão pesada que não adiantaria muito ter alça, valendo-me das rodinhas, estufo ainda mais ao recuar no tempo, sem chegar, contudo, ao tempo das diligências, mas parando naquele em que mala, na verdade, chamavam-se de baús: e como ninguém pensou em lhes acrescentar uma alça, o que, à época, poderia significar um avanço comparável à invenção da roda – sem falar, porque isso já seria quase uma experiência de ficção científica, dada a distância no tempo, das rodinhas, que fariam um bem enorme, se não aos baús, a quem, então, os carregava, sem sequer conhecerem, em tais dias, para murmurarem, entredentes, tendo como alvo o dono do baú, a palavra “mala”.

Agora, é assim. De cá para lá, ou ao contrário, sem que isso altere, significativamente, o sentido em que se anda, rodinhas para todos os lados; malas sendo arrastadas por uma mão, enquanto que com a outra se arrasta um pirralho qualquer, sem alça, e que nem tem rodinhas, para facilitar esse transporte – um evidente erro de cálculo de quem inventou os pirralhos.

Como não fui eu que inventei as malas, como não tenho pirralho para carregar, como não tenho com que lutar contra as rodinhas, nem tenho coragem de levantar bandeira a favor dos baús, sem também, a essa altura, expectativa de alçar vôo, deixo-me arrastar pelo tempo: às vezes, é como se eu tivesse, em mim, rodinhas, deslizando, sem perceber os atritos; noutras, são tantos os deslizes que, aos solavancos, até o tempo, por me considerar tão sem alça, começa a me deixar de lado, com o risco de vir a acabar, enquanto dure o material da mala de que sou feito, num achados-e-perdidos qualquer.