terça-feira, fevereiro 01, 2011

CIRANDA, CIRANDINHA








amor (eterno) é uma dessas brincadeiras de criança que depois se torna séria -e só é brincadeira para nós que a vemos de fora da roda, porque lá dentro, ou mesmo no entorno da brincadeira, é já, desde sempre, séria, mesmo que gire aos impulsos dos risos, às chicotadas de lancinantes gargalhadas.

Quando, passado esse tempo que se chamou de depois, a coisa séria já ficou e quer-se tomá-la, beber esse amor eterno, de um só gole, como que de brincadeira, passou da hora de brincar com coisa assim tão séria. E muito (mais) depois, uma quantidade de tempo que varia de uma pessoa para outra, quando já não há (mais) tempo - mas este amor não era eterno? - para essas brincadeiras, só mesmo sendo criança para se levá-la a sério, para, seriamente falando, se levar esse amor adiante.

E sem ter (mais) certeza, aquela de antes, de sua eternidade, não se sabe se, no caso da coisa ir à frente, numa tentativa de prolongar uma brincadeira que já parece finda, o amor resistirá muito tempo ainda, quase uma eternidade para o padrão dos casos em questão, ou se só falta dar (mais) um passo para que a corda esticada arrebente na cara, gritando na face aquilo que já se sabia, a menos que se insista, a essa altura, em acreditar no eterno das brincadeiras, como uma criança que se crê com todo o tempo, que não vê razão para empregá-lo em outra coisa, sério como lhe é brincar assim, e mesmo quando as mãos francamente já se desataram, desfazendo a roda, dispersando o riso-combustível e as gargalhadas-chicotadas, ainda quer porque quer, fazendo coro consigo mesma, atando-se pelas suas próprias mãos num abraço impossível, que o eterno fale alto seu nome, de modo imperativo, subjugando a "temporalidade" dos amores.

E não falo, como pode parecer, de amores infantis - que estes são mesmo para as partes envolvidas uma brincadeira que atende à necessidade de não se ficar parado nos intervalos das brincadeiras. Falo de amores com sobrenome de "Sério", uma brincadeira com as palavras; falo desses amores que quando acontecem, é como se sozinho fizessem roda em torno de nós, pondo-nos no centro, transfigurando o sentido comum das chicotadas, bem como o alcance habitual das gargalhadas...

E de nada adianta recorrer àquela carta na manga e em que está escrito, providencialmente, que em todos nós, por mais sérios, acomoda-se, num canto, silenciosa, uma criança, prestes a despertar, se para ela se cantar uma modinha, uns versos de roda: pode ser frustrante acreditar numa criatura que jaz, viva, perdida num vão, calada, domesticada (e de uma criança assim é para se desconfiar) a ponto de só dar as caras se se a cutucar com a vara curta de uma canção nostálgica.

Não há crianças em nós quando já deixamos de ser uma. Se houvesse, deveria haver desde sempre, desde quando ainda se era uma criança: uma dentro da outra - e isso não faz sentido, mesmo para uma brincadeira infantil. O argumento de que ela, a criança, só entra, a sério, nessa brincadeira muito tempo depois, quando já não é uma, pois era preciso ser criança para poder se a guardar em si, é quase uma brincadeira, ainda que se simule seriedade ao dizê-lo.

Encaremos os fatos: para a criança, tudo é sem tempo, e um amor eterno é tão brincadeira quanto os intervalos para o que lhe é sério de verdade - a brincadeira; e para quem já não o é, nada de "criança dentro de mim", sendo melhor, mesmo que não seja nada divertido, prestar atenção ao tempo, o que não significa olhar a todo instante o relógio ou a posição do sol, que roda, numa brincadeira que enche os olhos de lágrimas.

Atentar para o tempo é brincar de amor eterno sem a seriedade de querer que a roda dure para sempre, de querer segurar a todo instante as mãos que querem se desprender só para não ver a brincadeira se desfazer. Em criança, é comum ouvirem-se vozes de fora da roda dizendo que há tempo para tudo, e, crianças, não entendemos. Depois, confrontados com o fato, inexorável, de que a eternidade ficou nas mãos daquela criança, queremos ouvir que ainda há tempo - mas como, caídos naquele engodo, só queremos dar ouvidos à "nossa própria criança", tomamos a sério palavras que eram só de brincadeira.