domingo, maio 01, 2011

NÃO TIRE OS PÉS DO CHÃO










reparar uma armadilha requer conhecimento, e profundo, mesmo que a tal armadilha, antes de ser um poço cavado e camuflado, à superfície, para disfarçar o perigo iminente, seja mesmo um risco à flor da terra, talvez, nesse caso, contando com a autoconfiança de quem por esses caminhos anda, não considerando a possibilidade de que alguém, querendo lhe preparar uma armadilha, venha a fazê-lo assim, tão (aparentemente) à vista, buscando os riscos onde outros olhos, tomados por esse autoconfiante, não procuram.

A armadilha, em si, requer também sua própria engenharia – e se ela pode parecer bastante primária, em se a observando com atenção, desde que não seja aquele que nela caiu, porque, a essa altura (ou a essa profundidade), mais interessado estará em sair dessa do que em especular sobre o conhecimento rudimentar que a alimentou, há de se verificar o grau de inteligência que ela exigiu, ainda que, cheios de moralismo, venhamos a dizer que essa inteligência foi usada para o mal.

E o mundo, este mesmo por onde andamos, ora com mais confiança, ora com menos, por vezes, parece-nos uma grande armadilha, do exato tamanho do próprio mundo. Quando alguém prepara sua armadilha, sem que tenha qualquer intenção de ser sua vítima, vítima desse urdidos ardis, e obtém sucesso, o que significa dizer que sua presa em vista, atenta, quem sabe, para os lugares, deste mundo, menos prováveis, crendo ser daí que podem vir os perigos, e não para o que vai diante de seus olhos, cai, mesmo que a armadilha em questão, capturando a presa, alce-a, caímos nós também – ao menos, o predador da hora, o artesão que, manualmente, com cuidado quase de artista que não repete sua obra, levou a cabo a armadilha.

Caímos, ainda que, para todos os efeitos, continuemos de pé. Moralista! Já ouço as vozes que se levantam contra mim, até vindas de bocas que jamais pensaram – se bocas pensassem, quanto deixariam de falar! – em preparar uma armadilha, e não por falta de vontade, e não porque não acalentem tal desejo, no íntimo (o íntimo de todos nós é, entre todas, provavelmente, a maior de todas as armadilhas, aquela em que caímos, por mais que já tenhamos caído na mesma armadilha), mas por, sempre nesse íntimo-armadilha, manterem a esperança de que poderão lançar mão do argumento de jamais terem feito uma dessas, para escaparem ilesos de algum julgamento final.

É que, ao concebermos as (nossas) armadilhas, visando a uma vítima específica, abrimos, assim, um amplo espaço para que outros, feitos predadores como nós, façam das suas, vítimas, então, nós, potencialmente de tais armadilhas. E não fica nisso. Nós próprios, de tantos armarmos (armadilhas), de tanto as espalharmos por aí, nem sempre cuidando de registrar, com exatidão de cartógrafo, o ponto exato em que a pusemos, acabamos por esquecer algumas delas, e, num momento de tão autoconfiança, andando, concentrado nos perigos que podem surgir de onde menos se espera que eles dêem as caras, no passo seguinte, dado com a segurança com que se vem caminhando, sempre confiante, pomos o pé no laço, o nó se aperta, e lá ficamos nós.

O castigo maior, mesmo para os que se creem amorais (sem perceber a armadilha em que caíram, ao se crerem assim), é se dar conta de que aquela armadilha que nos ata, pelo pé, ou nos joga no fundo de uma cova – para não entrarmos, aqui, num interminável rol de armadilhas diversas –, leva nossa própria assinatura: e temos, então, de conviver, até sermos salvos, se o formos, com o desespero de sermos presa e o júbilo por termos realizado essa obra, que, sentimos em nós, é a eficiência em pessoa.