quinta-feira, março 01, 2012

O SONHO DE UMA VIDA BOÊMIA[i]







ada, para quem aposta em que as coisas hão de ficar ainda piores, melhor do que um dia após o outro, mal conseguindo, quem assim pensa, conter a ansiedade, não apenas para que esse tal dia – pior – logo venha, mas para que, sendo essa passagem uma consequência, que o dia de hoje, esse momento atual em que as coisas não parecem ir nada bem, a ponto de se prognosticar, como se um alívio, a piora, fazendo do ruim do agora uma saudade amanhã, passe, o mais rapidamente que puder.

Um dia, o dólar, ainda quando furado, foi capaz de brilhar, mesmo sujo – sem qualquer especulação moral –, diante dos olhos que nele enxergavam uma possibilidade inteira de uma vida melhor, calculando, sem jamais ter aprendido conversão de moedas, baseado apenas no câmbio de suas legítimas expectativas, o que poderia fazer com um dólar: e se for mais!...

Mais, quanto? Um punhado de dólares? Isso é quase uma fantasia que não cabe nos olhos, embora os bolsos, sempre mais generosos, quando se trata de, bocarra aberta, alimentar-se, esses engolidores de papel (sem abrir mão do vil metal), não caibam em si, diante de visão tão promissora. Por um punhado de dólares já se matou – e, a bem da verdade, já se matou por menos, ainda se matará por mais, tenha a moeda o nome que tiver, valorizada no mercado (do) futuro ou já uma reminiscência de algum passado que perdeu seu fulgor. Por um punhado de dólares, nesses nossos dias voláteis, a depender do tamanho da mão, já não se mata tanto, preferindo-se, se se tem mesmo de morrer, uma morte menos “dispendiosa”, mesmo que, morto, não se tenha mais que pôr nem uma mão no bolso.

Olhando-se, retrospectivamente, os filmes de outrora – e outrora, aqui, já dá evidentes sinais do quanto estamos voltando no tempo, cinema que é a mais eficiente máquina para isso –, deparamos-nos com verdadeiras ousadias em dólares investidos, fazendo, nos dedos das mãos, a conta, sempre imprecisa, de quantos punhados foram necessários para se levantar aquela fantasia: e no cálculo do quanto, sempre em dólares, possa ter rendido, é melhor não nos aventurarmos, por se tratar de algo que não cabe nessas nossas cogitações meramente verbais. Sem olharmos adiante, bastando-nos um olhar sobre o orçamento dos filmes atuais, percebe-se, sem que as mãos tenham aumentado, significativamente, de tamanho e, portanto, os punhados representem uma quantidade proporcionalmente maior de moeda, pelo tanto de dólares, o quanto isso se desvalorizou: e nem falo do padrão monetário, mas da capacidade de se fazer, tocando-se em assunto tão sonante, os olhos brilharem.

Para matar (o tempo), pagando-se o preço que a máquina de o passar (o tempo) cobra, alguns dólares furados, mesmo que, convertidos, ainda tenham a pompa de salvadores da pátria. Para morrer de tédio, algum filme, produzido como ousadia formal, mas que não passa de um senhor conservador, por apostar (os dólares) em que os espectadores, cansados de tanto conservadorismo, estão ávidos por alguma ousadia – preferencialmente, nada que os deixe intrigados, sendo suficiente que se convençam de que acabam de testemunhar um momento raro dessa máquina de passar o tempo, de ganhar dinheiro, ganhando os que o ganham, ganhando os que o passam.

E não há qualquer engodo. Um punhado de dólares sempre valerá, valorizada ou não essa moeda que troca realidades opacas por instantes de brilho fugaz, a lembrança de um tempo... Que tempo? Somente de um tempo. E este nem precisa ter mesmo existido, podendo ser apenas mais uma das nossas fantasias, compradas no escuro, pelas quais pagamos em dólares, mesmo que estes devidamente convertidos, sem mudarem sua fé em Deus.




[1] O nome dollar deriva de Thaler, abreviado de Joachimsthaler, uma moeda de prata cunhada pela primeira vez em 1518 em Joachimsthal, na Boêmia