sábado, setembro 01, 2012

CLAQUE ESFOMEADA PARA ELITES INSATISFEITAS








piada é antiga, mas continua um prato cheio, especialmente, para os que, como eu (e não vejo a menor graça nisso), não são versados em piadas, não são versáteis com elas, apegando-se a uma ou outra, que conta e reconta, infinitamente, não levando em conta as vezes em que já a(s) contou, a ponto de chegar a contá-las, repetidamente, à mesma pessoa, até percebendo a repetição, porém, demonstrando, ainda que involuntariamente, pouca consideração para com esse ouvinte, vai adiante, como se estivesse para partilhar uma alegria fenomenal, valendo-se, no entanto, como se, no seu íntimo (que é o meu, aqui), soubesse do seu pouco talento histriônico, de seu próprio riso para completar uma gargalhada que, quando vem – e isso não é certo –, chega-lhe aos pedaços, sinal evidente de uma piada mal-contada, arriscando-se, quem assim se deixa levar por uma necessidade de parecer engraçado, a tornar-se a própria piada: e o que é pior, esta sim, digna de incontroláveis gargalhadas.

E, aqui, a piada é que o melhor prato é um prato cheio. Coisa que, dirão alguns, sem mostrar nenhum humor, não tem graça, beirando, para eles, apesar de carecer (o que chega a ser um ironia, mas não uma piada, em se tratando de tão cheio prato) de sonoros palavrões, o mau-gosto personificado, impressão na qual são, de pronto, acompanhados por outros, os que, também sem humor (gente mais azeda!), veem nessa tentativa de fazer piada um atentado ao seu cultivado gosto, um refinamento com forçado acento francês, ainda que não percebem – ou, percebendo, desconsiderem esse detalhe – que o prato lhes foi servido pela direita, preferindo deliciar-se, com sinceridade incerta, gourmets que se creem, com essas pequenas porções, exemplo de calculado minimalismo com aspirações a obra de arte, antevendo, aí, o gozo supremo que lhes espera, já imaginando – será que suportarão tamanho gozo? – o dia em que, de tão comedida a cozinha, o prato há de lhes ser servido completamente...vazio: ah! delícia!

E mesmo assim, com sorriso nos lábios (de tão pouco que há para comer, é até possível se comer e falar, ao mesmo tempo, sem maiores atentados), não se acham, quando sabem que se tornaram personagem de uma gozação pelas costas, nenhuma piada, maldizendo o dia em que nasceram: não os que, mal-educados, fazem piada de coisa tão séria, mas rogando praga sobre o dia em que eles próprios nasceram, para viverem num mundo que não lhes merece, incapaz de perceber as elegantes sutilezas da civilização, consumindo, essa ralé, com voracidade que não lhes impede que falar com a boca cheia, os pratos cheios da vida, não se dobrando, do alto de sua elegância de manual de boas maneiras, à evidência de que não há arte maior do que se sentir satisfeito.

Mundo, deveras, injusto! Enquanto uns, podendo pagar caro por quase nada, para agradar suas papilas (que podem, na verdade, ser incapazes de distinguir uma verdade a quilo de uma mentira em gramas, valorizando mais esta, só porque lhes custa mais “verdinhas” – que nem estão assim, hoje em dia, tão valorizadas), deploram o prato cheio, os que dariam tudo por um, mesmo que raso, desde que aparentemente cheio (porque sabemos, gourmets inclusive, o quanto se come, e bem, com os olhos), têm de se contentar com módicas porções, forçados a isso, sem enxergarem nem graça nem elegância em parcimônia compulsória.

Mas, refinados, não se sintam culpados, se flagrados com um prato desses na mão, um cheio, já transbordando pelas bordas, não havendo tempo hábil para o esconder (tão cheio como está). Há mesmo uma saída filosófica, misturada com literatura, o que já traz a arte para mais perto: Nietzsche dizia que a sensação de uma consciência tranquila era semelhante à satisfação de se estar com o estômago cheio.

Os finos (melhor conhecedores tanto de filosofia quanto de literatura – e ambas essas “cozinhas”, sou adepto do prato cheio) podem torcer o nariz, desviar os olhos, não engolir isso, e ainda ter ânsia de vomito, diante de argumento assim para justificar uma comilança, mas, na hora da fome, somos todos bichos, queremos mesmo é sobreviver. E se o conseguimos, com estômago já cheio, não há espaço, consciência sossegada, para sentimento de culpa – a não ser o de não ter comido mais.