domingo, janeiro 01, 2012

LA DOLCE VITA











oma açúcar! Diga não ao fel de uma alimentação sem graça, sem goma de mascar (as sem açúcar, pelo menos), sem o refinado prazer de consumir açúcar, mesmo que isso, mais do que os olhos, custe os dentes, que não deixam de estar na cara.

Com’a açúcar, com direito a um sono profundo, sem dar a impressão de estar consciente ou não – melhor não! –, sonhando com doces, que tanto sonho é um bom doce, quanto os melhores doces são um sonho, e até, já que não se controla tanto assim os (próprios) sonhos, uma ou outra gotinha de amargura, uma “pitada” de angostura, um fel que nos alerta, que nos diz já ser hora de acordar para a vida, adoçada artificialmente, com um gostinho de engana-tolos, tolos que somos para nos deixar enganar tanto por um discurso açucarado, quanto pelo amargo que abre a boca, a própria, para falar mal dos outros, da boca alheia, e, sobretudo, dos doces em geral, e do açúcar consumido, em particular, embora não guarde discrição a respeito do que diz, divulgando em público o que fazemos algo às escondidas, temerosos menos dos danos nos dentes, mais das sanções sociais, essa espécie de cala-boca em grupo, por termos sido, eventualmente, flagrados no ato, nessa preferência escandalosa pelo branco em pó – ainda por cima, como confeito –, em detrimento do, se não preto, mais escuros, que preferem, mascavos como gostam de ser chamados, a associação com o (tom) dourado.

Se se dá o sangue para viver, por que não se pode carregar as consequências de uma overdose necessária para se virar a página, quando o livro é pesado demais para se o folhear com a casualidade de uma história qualquer? Ou de um livro de receitas, ilustrado, só com doces, com um realismo que não ludibria somente os olhos, mas engana também a boca que, como se tocada no ponto certo, abre suas compo(r)tas e deixa a água correr solta, quase pingando, numa baba que não é exclusividade das moças mais derretidas, sobre a página que exibe uma compota de se admirar ajoelhado, devorando cada fibra do papel – e depois ainda dizem que ao açúcar refinado faltam as tais incensadas fibras, que ele são só calorias vazias de mais nutrientes, como se isso fosse pouco: digam isso a quem passa frio, a quem se arrepia só de pensar num doce, até nos mais bem-comportados, aqueles que, nada rebeldes, sem intenção de virarem a mesa, aceitam esse revisionismo constante, quase pedindo perdão por conterem açúcar, fazendo isso, porém, com um refinamento que é de amargar, duro de (se) aturar?

E falam na qualidade de vida para banirem o açúcar, como o inimigo visceral dos nossos dias, figadal mesmo, dos mais cruéis que se pode conceber em dias-de-fel, introduzindo uma sensaborona longevidade, uma expectativa de vida sem doces perspectivas, um viver só para contar a história sem sentido de só comer o permitido: isso lá é vida?!

Sequer se pode dizer que é uma vida filha-da-puta, porque esta, se não é de todo permitida, não é tão proibida assim, ainda que, no fundo, sobre-lhe fel. Mas quem paga (para viver essa vida, e todos nós o fazemos, desta ou daquela maneira, à vista, com dinheiro bom, ou com um viciado cheque sem fundos) pode exigir que a vida deixe de lado suas amarguras-vadias e ofereça, sabe-se lá tirado de onde (e eu lá quero saber disso!), o açúcar pelo qual se paga.

Enfim, entreguemo-nos – de bandeja, preferencialmente – à boa companhia dos doces em quantidade: por que falar em qualidade, se olho-de-sogra, visto de perto, não vale nada, mas, doce e coco recheando uma ameixa, com um cravo (como se fosse a menina-dos-olhos), é uma delícia, especialmente quando são muitos?

Entreguemo-nos ao açúcar bandido! Sejamos ainda mocinhos, com dentes perfeitos e crentes numa vida de dar água na boca, ou sejamos já daqueles que têm histórias amargas suficientes para um livro de receitas escrever, receitas de como viver bem, sem jamais chamar, meloso, de docinho de coco a um bem-querer filho-da-mãe, cuja mãe, na hora da vingança, sogra que é, chamaremos, olho no olho, de ameixa seca.