domingo, abril 01, 2012

VOU PEDIR O CAFÉ PRA NÓS DOIS










essa nossa língua que não se contenta em ficar parada, nem que seja por um instante, talvez assim para disfarçar a fome, embora o artifício possa, como um tiro que nem de longe acerta o alvo, sequer passando raspando por ele (raspas, como sobras, para quem tem fome, e, portanto, não demonstra, o que não quer dizer que não o tenha, pejo contra farelos, já é um alívio), não só não obter o resultado desejado, mas aumentar o desconforto do estômago vazio, chegando a efeitos contrários a suas expectativas, Bonequinha de Luxo é como (e essa palavra só faz aumentar meu apetite) sublimarmos essa necessidade, já que não podemos tomar nosso breakfast diante das vitrinas da Tiffany’s, mesmo que esse desjejum, pela carência, esteja se aproximando, num perigo iminente, de um jejum simplesmente, esse passar-fome ritual: que cena!

Enquanto se degusta uma comidinha rápida, rapidamente, efêmera como ela é, os olhos devoram, sem meias-palavras, até porque é da boca a culpa de se falar e comer ao mesmo tempo, joias, diamantes diversos que, como se sabe, e não é de hoje, são eternos, ou, pelo menos, duram tanto que, durando bem mais do que nossos desejos, podem ser chamados de eternos, esses mesmos diamantes que, dizem, e as garotas, especialmente as loiras, sabem, são os melhores amigos das mulheres, em geral, e das Marilyns, em particular – mas, aqui entre nós, particularmente, isso já é outra história, é como pôr dois filmes no mesmo rolo, misturando a cinturinha-de-vespa de Audrey com o perfil, algo tropical, de Miss Monroe: e isso, sim, é que seria uma boa Doutrina, pagã e pecaminosa, para todos nós (por mais embaraçoso que seja, para mim, dizer isso), permitindo-nos saborear, gulosos (mesmo que dizer isso possa parecer somente “fazer fita”) e egoístas, a América para (nós), os americanos, desde que os de norte não se creiam, numa particularização de uma geografia bem mais ampla, acima de todos os outros, sem que se lhes possa negar que têm lá seus direitos, ao menos, autorais.

Moon River! Se há rios na lua, nem quero saber; nunca me interessei mesmo por uma lua que enche os olhos com uma objetividade insípida, preferindo-a, coisa típica de um sujeito como eu, com a cabeça sempre no mundo-da-lua, uma mais devassa, vista a olho nu (claro!), uma lua com que se pode sonhar. No entanto, não me sai da cabeça, da única que tenho (e já se sabe em que mundo ela vive, levando-me junto consigo), um rastro lunar sobre as águas, feitas, estas, um espelho mais polido do que o vidro mais disposto a tais reflexões. E tudo isso com uma canção ao fundo, não no fundo do rio, submersa, talvez naufragada, mas pairando no ar, sem estar, porém, acima da própria lua, apenas vagando por ali, sem que se saiba bem de onde escapa esse som, conduzindo-nos, nostalgicamente, por veredas pelas quais nunca, antes, andamos; por vales, inclusive os de lágrimas (que isso faz parte da vida, como bem mostram os filmes), em que não nos lembramos de já ter estado; por mares nunca dantes navegados.

Não há dúvida: é mesmo um luxo poder, com lembranças que não são, rigorosamente, nossas, que são de outras vidas, vidas de outras personagens, mais experimentadas nesta, a única com que, indubitavelmente, contamos, ressalvada a fé de alguns em outros mundos, em outras vidas, desde que estes, em nome de uma esperança, não se privem de viver quantas vidas puderem, pela vida dos outros, confortavelmente instalados, aparentemente, só como espectadores, mas – e disso sabe apenas quem nos conhece por dentro (quem?) –, no fundo, vivendo tudo aquilo, intensamente, até porque (viver) de outro jeito não tem graça, não vale o ingresso que pagamos para estar nesta vida, e que é, sabemos, alto demais.