terça-feira, julho 01, 2014

COMO É OUT SER IN...SENSÍVEL!







Se as orelhas dos livros não me dão ouvidos, se os olhos d’águas, ainda uns brotos, não piscam para mim, se um nariz-de-cera se não se derrete todo, diante dói meu cheiro, se, quanto mais ajo com tato, menos arrepiado fico, se dou à língua diversas possibilidades, e nem assim me chegam as devidas respostas, que “sentido” há em continuar vivendo assim?!



Arrancar a orelha, num gesto trágico, seria não mais do que copiar o que os livros dizem de um certo pintor, algo louco, mas também muito “lúcido”, haja vista a quantidade de luz que faz com que seus quadros, se não possam ser visto mesmo no escuro total, esclareçam, e muito, a respeito, partindo do próprio autor, do homem, ainda que seu “motivo artístico” não seja um auto-retrato, mas uma natureza vivíssima.



Cegar-me, culpado ou, inocentemente, só para posar de mais trágico ainda, não me faria enxergar mais, nem mesmo enxergar os vãos que os olhos (vivos) não alcançam, por preguiça de se aventurarem nesses (des)caminhos, deixando-me apenas mais vazio, com órbitas sobressalentes, carentes de um mundo que se foi com os olhos arrancados – e nem acredito que essa cena, até se for transposta da privacidade discreta para a publicidade calculada, possa despertar, a essa altura do espetáculo, alguma água em outros olhos; e se o fizer, de que me valerá, agora, que já não posso mesmo ver?!



Confesso que me derreto todo por um nariz perfeito, ou um que fique, ali, bem próximo da perfeição, tal qual um que tenha sido rigorosamente trabalhado por um artista dos mais realistas, mas cuja realidade é o convívio não com narizes possíveis, e sim com os mais perfeitos, exageros à parte. E se me desmancho todo, como cera derretida, é por não sentir em mim mesmo a solidez necessária para, ainda que imperfeitamente, aspirar perfumes diversos.



Se desisto, menos por convicção, e mais por falta de opção, de agir com o devido tato, passando ao largo das sutilezas, e indo, diretamente, ao áspero contato, certo de que, assim, os arrepios virão em série, incontroláveis, em gestos bruscos que já se tornaram muito naturais, a ponto de me arrepiar com a insensibilidade corrente para se separar o toque que se dá de todos os outros, os que são dados a toque de caixa – no entanto, é só um, um arrepio apenas, fugaz, nada mais.



Quando à língua, variações do mesmo idioma, que ofereço, isso causa um desentendimento geral: se a dou, mostrando-a, sem segurar uma nostalgia infantil, presa a língua ainda à minha boca, dizem-me um verdadeiro criançola; se me disponho a oferecê-la em silêncio, por isso, dizem de mim um velho; se escolho passar a língua nos lábios (nos meus próprios), como se assim traduzisse tudo o que tenho a dizer em palavras – baixas e altas, sincronizadas com o movimento labial –, dizem que sou um marionete.



É preciso, para querer continuar vivendo, encontro, e logo, um “novo” sentido para a vida: de imediato, lembro-me do “sexto”, mesmo ao custo de vestir em mim mesmo uma fantasia mais comumente reconhecível num talhe feminino. Mas, olhando bem (afinal, não arranquei meus olhos) o que se faz com esse suposto apêndice extrassensorial, atiro tal opção ao cesto, preferindo a morte de todos os sentido a parecer um charlatão, mesmo que as minhas visões sejam verdadeiras, pois, por comparação, se elas se assemelham àquelas dos que ludibriam os sentidos dos que, sem perceberem, buscam um (sentido), como redenção (para sua vida), serie falto a todos os olhos, não me darão ouvidos, hão-de torcer o nariz à minha passagem e, sem nenhum tato, quererão, incomodados com minhas (supostas) verdades, cassar-me a palavra, cortando-me a língua.



A ser um profeta assim, prefiro permanecer sem sentido(s), mas, de pé, enquanto, ao menos, as mãos puderem suportar (como se elas fossem, na verdade, minhas costas) a tarefa de dar algum significado a essa vida limitada pelo que se sente, como se só isso é que existisse, e desejando-se, ardentemente, que haja um outro sentido para ela.



Isto aqui bem poderia ser uma orelha, porém, sem o livro; olhos, porém, dos quais não brota água; nariz, porém, um que não se comove com os resfriados; pele, porém, comprimento tátil que não se toca dos seus próprios limites; língua, porém, uma que só fala em sentidos, em busca de um, recolhendo-se, enfim, ao não os encontrar.

CHICO VIVAS