sexta-feira, agosto 01, 2014

UM OLHAR SOBRE O OLHAR: MERAS ESPECULAÇÕES







Agora é que eu quero ver!



Faço-me madrasta de mim mesmo e pergunto-me: espelho, espelho meu... Mas, antes de formular, definitivamente, a questão, ele, antecipando-se, como se se passasse, então, por um retrovisor do por(-)vir, não passando, na verdade (e isso ele talvez não queira enxergar) de nada mais que uma superfície plana com uma face polida – mas, que ninguém se engane com isso, pois em sua outra face, o verso está sempre opaco, querendo já me dar a resposta para o que lhe perguntei, querendo, esnobe, que eu o acredite como uma nova versão oracular, limitadíssimo em sua função especular por uma antiquada moldura oval, longe, assim, de uma original forma triangular, bem mais próxima da cadeira pítica.



Antes, porém, que ele vá adiante, encaro-o com firmeza, olhando(-o) nos olhos (não que eu creia muito nesse artifício, mas dizem que é uma boa técnica, quando se quer se impor) e o faço entender que não preciso dele para autenticar minha beleza(?), nem para saber que isso não me é atributo exclusivo, nem quero, apelando, como se caísse em sua armadilha, consultar-lhe acerca do futuro: por que, afinal, quereria eu saber do porvir, se sequer me sinto à vontade para flexionar o verbo ver (que ele, espelho meu, tanto conhece) no futuro do subjuntivo, ora para não parecer pedante demais com essa forma tão estranha a nossa língua coloquial, ora para não confundir o ver com o chegar, esse “vir” para cá, chegando até, se disser que “o(u)vi, aumentando a confusão ao introduzir, já tendo posto aí a visão, um novo sentido, a audição, numa polissemia da qual não se entende mais nada, não tanto por essa sua multiplicidade de sentidos, mas por uma profunda carência de significado.



O que quero dele é presente – e não o quero embalado sempre para festa, pois raramente eu próprio estou vestido assim e, portanto, saber-me permanentemente ataviado para presente implicaria no descrédito total desse espelho, espelho meu.



Não entendendo nada do que lhe disse, o espelho baixa os olhos, tal qual se se sentisse magoado por minha falta de apelos a sua ironia estética ou aos seus auto-atribuídos poderes de adivinho, quando sabemos que ele é tão-somente um “reprodutor”, forçando-me também, numa simultaneidade constrangedora, também a baixar os meus, e não por uma sincera solidariedade por seus sentimentos, por suas feridas abertas, mas porque somos, eu e ele, um a imagem do outro, não se definindo, assim, de uma olhadela só, quem é (o) real, e quem (o) virtual, se é ele que depende dos meus movimentos nesta vida cheia de especulações ou se sou eu, sempre com nariz em pé por me considerar o dominador nessa fantasia em que os espelho não estão no teto, que sou o mero reflexo de suas vontades próprias, vontade de especular a respeito da beleza, a respeito do futuro, a respeito do futuro da beleza e até dos presentes que esperamos, ambos, ganhar.



Quem resiste tanto tempo com os olhos pregados no chão, aparentemente, em atitude submissa, um Tartufo de tão pouco confiável (embora essa personagem, durante tanto tempo, tivesse a seu crédito a confiança de muitos), e não os alça, quando menos para ver o resultado dessas suas manhas, desses seus artifícios, querendo, assim, confirmar que, enfim, conseguiu nos tocar?!



No entanto, ao ceder à tentação de rir do tolo à sua frente, levantando os olhos, o que encontra são os meus, cravados nos seus, como se sempre tivessem estado assim e jamais se tenham baixado – coisa que o espelho há de saber. Numa reação natural ao que percebe como uma virtual derrota (ainda não a aceita como real), na iminência de me ver (como) vencedor, lança mão do seu maior trunfo e, simbolista, alegórico até esse momento, faz-se, repentinamente, um inconformado realista, que não se conforma em sê-lo (para si), mas quer mostrar o mundo como ele é, sem fantasias. E, atendendo às minhas ordens, exibe-me o presente, sem retoques, tão sem concessões, que chega a ser surreal.



Livrar-nos dos espelhos não é solução que se deva considerar, já que se os escondermos, nem por isso eles abandonarão sua eterna especulação – apenas, não mais os veremos, ainda que saibamos, até, ao menos, que venhamos a os esquecer, onde os achar; e se os quebrarmos, azar o nosso, e por sete anos. Como se fosse feito de mercúrio, os espelho se desfazem, quando espatifados, em muitos (outros), multiplicando-se, ao contrário do que desejávamos, aumentando, portanto, o que tanto desejávamos acabar, de uma vez por todas. Corrompê-los, enfim, é o que (nos) resta, acenando-lhes com moldura nova, lugar de destaque, iluminação sob encomenda e que ressalte sua face polida, mantendo escondida sua face opaca, e até, chegando ao cúmulo das concessões, permitindo-lhe, mesmo que não creiamos nisso, que ele faça suas adivinhações, pondo-se a prever o futuro, com especulações, quem sabe, sobre o fim da beleza, desde que os espelhos fiquem “do nosso lado”.

CHICO VIVAS