segunda-feira, dezembro 01, 2014

OUÇO DURO DE ROER







Ouvi. E não quero, com isso, dizer que escutei, no passado, dando prova, assim, de que costumo dar ouvido a ele. O que desejo falar – será que haverá alguém disposto a me dar ouvidos? – é...



Em verdade, não sei o que quero, ainda que saiba, e disso eu sei, o que falar, não sabendo, no entanto, a quem, com aquele OUVI, ainda a tão pouca distância, eu me dirijo, sem “carta” à mão, sem levar a mão à carteira, ziguezagueando como vou, num traçado típico de quem não sabe (se) dirigir, ou, se sabe, está, então, sob efeito entorpecente; tropeçando como vou, mesmo sem notar nenhuma pedra a minha frente, uma que, indo de encontro com meu pé – este, na verdade, indo ao encontro dela, mesmo que nem um nem outra tenham tanta independência, tanta vontade própria assim para decidirem, por si, onde esbarrarem –, acabe por me dar um (bom) motivo para soltar, sem temor de ser ouvido, mesmo que dizendo isso só de mim para mim, não tendo, portanto, a intenção de “ver” minha voz ecoar, um sonoro palavrão.



O fato é que ouvi. E não desejando passar isso adiante, deixo o que escutei no passado, ainda que possa considerar que o prazo de validade (do que ouvi) não se esgotou, o que garante sua utilidade, se alguma tiver, sendo um desperdício, ao menos, para os que gostam de passar à frente o que ouviram, deixar, simplesmente, isso para lá, em nome, talvez, de uma conduta que sequer (me) é natural, tendo-me apropriado dela por pura convenção, por necessidade, quem sabe, de parecer mais civilizado, sábio até: embora se costume atribuir aos (verdadeiros) sábios, como certificado, inclusive, dessa sua sabedoria, o fato de serem mais dados, justamente, a ouvir do que a falar.



No fundo, o que ouvi, tendo ouvido de mim mesmo, escapou-me...do íntimo, lá do fundo – e não de um fundo em que costumam ficar os bolsos, em que se guardam as carteiras e, eventualmente, uma “carta”; e não de um íntimo que não passa de palavra superficial para simular uma profundidade de efeito. O que ouvi me saiu naturalmente, porque, em mim, é mesmo natural lembrar, sem que eu atribua a isso uma qualidade capaz de coroar como sábio, daqueles que gostam de ouvir mais do que de falar, tão-somente um tácito, um que, não sabendo o que dizer, fecha-se em si, e não diz mais nada.



Eu não! Tácito, não nego, sou. Sábio – ah! como gostaria de isso negar –, não sou. Íntimo, sou de poucos. Quanto a ser profundo, em geral, isso é uma “chatice”. Eu (me) lembro. E para que não (me) venham dizer que ouço demais e falo de menos, só mais uma palavrinha... (duas, na verdade)

CHICO VIVAS