quinta-feira, outubro 01, 2015

COISINHA DE NADA





Tenho só duas coisinhas para contar – e, dado como sou a muitas histórias, isso não deixa de ser uma notícia auspiciosa, sinal de que não tomarei muito tempo. As coisinhas que devo contar são estas: areia e estrelas.

De cara, parece que houve um ludíbrio, e o que era doce – só duas coisinhas!... –, agora, amargura, só de pensar no tempo a ser gasto contando estrelas e areia. A areia, hei-de achar perto do mar. Quanto às estrelas, não é preciso ser astrônomo profissional, bastando ser um aprendiz de amante romântico para saber onde se as pode encontrar. Se bem que, do jeito que este mundo gira, pode-se recorrer às estrelas-do-mar, desde que o mar seja muito bem estrelado, como um filme de grande orçamento, boa parte deste destinada justamente à escalação do elenco profissional para papéis românticos de aprendizes na arte de amar, ou, tudo já de pernas para o ar, pode-se, em lugar da areia do mar, contar-se estrelas, com a condição de que o céu escolhido – como que escalado para isso – esteja coalhado de estrelas, inclusive com a poeira (estelar, claro) daquelas que passam como um meteoro pela vida, com brilho intenso, enquanto passam, sem se darem conta de sua própria fugacidade.

Tanto o cálculo das estrelas, quanto o da(s) areia(s) são infinitesimais, tenha-se os pés bem plantados no chão, mesmo que num terreno arenoso, ou a cabeça vagando pelas nuvens, em pleno terreno da imaginação. Então, como contar, de uma vez, essas coisinhas: a areia, sabemos que é assim mesmo; já as estrelas, sabemo-las enormes, embora as vejamos tão pequenas, quase como grãos de areia? A areia pode-se se pegar na mão, ainda que não dê para se a contar, grão a grão, nos dedos. Estrelas são calculadas com os olhos, enchendo o coração de um romântico – tão antiquado, hoje, quanto o desenho anacrônico de uma ampulheta – tão assim, romântico, que chega a querer “colher”, como se um céu de estrelas fosse terreno...para isso, uma delas para dar de presente, na crença, sincera talvez, de que esse seu furto não desequilibrará a ordem do universo.

E sigo, eu, ainda a contar essas coisinhas, aqui, sem chegar a uma conclusão. E não falo de uma resposta exata para essas contas, bastando-me uma soma aproximada, pois, nesse caso, a prova dos nove é a repetição da operação: e quem há de querer contar essas coisinhas, vendo já o tempo, o próprio, que perdeu ao, sem mover um só dedo, testemunhar esses meus cálculos despropositais, não desejando, portanto, empatar igual soma do tempo próprio só para, desconfiado, tirar a prova da precisão da minha conta? Podemos tentar chegar a um acordo: e o acordo é justamente trocar pelo tempo – essa coisinha à toa – as tais duas coisas, estrelas e areia, que me propus, de início, e isso já vai longe, a contar. Desse modo, deixaria a areia para lá, para seu mar, fazendo o mesmo com as estrelas, sejam estas as do mar, sejam as do céu em noite de brilho, claro, estelar, passando somente a contar o próprio tempo.

Reconheço que proposta, aparentemente, tão generosa, em especial, para quem já gastou muito tempo comigo, há de levantar dúvidas quanto à dificuldade ainda maior em relação à contagem do tempo do que a quase impossibilidade de se contar, a contento, de maneira convincente, por mais infinita que seja a paciência das estrelas (e “estrelas” raramente são pacientes), tantas quanto areia, e areia, na qual, além dos grãos, pode-se, eventualmente, se achar também estrelas...do-mar aposentadas pela idade, aposentadas beldades de outrora ou lançadas no ostracismo devido ao ritmo acelerado da produção em série de céus demasiado fugazes, tento de se contentar com antigas lembranças, como um colar de pérolas surrupiado de ostras desavisadas.

É bem verdade que tempo, e muito, já perdemos tentando enumerar areia em grãos e estrelas aos montes, sendo talvez mais razoável, a essa altura, em lugar de as trocar por tempo, levar essa conta até o fim, com o risco calculado de fim, rigorosamente, não haver, e, a cada segundo que passa, como um grãozinho que despenca de uma âmbula para a outra, até que tudo, novamente, seja virado de ponta a cabeça, mais tempo perdemos, isso sem contar o papel...que faço aqui, papel de perdulário, gastando, como essas coisinhas, miudezas em geral, minha reputação de “contador”, trazendo à tona minha inabilidade com os cálculos.

CHICO VIVAS