domingo, fevereiro 01, 2015

A CRIA DÁ CRIA E A CRIATURA PROCRIA




...E assim caminha a humanidade: e isto, se não é uma constatação óbvia, é, certamente, a melhor hipótese para se saborear na própria língua o gosto do vernáculo, ao traduzir um insípido título me inglês.

“Giant”, muito pequeno para uma gigantesca história. Os gigantes, com o tempo, ficaram confinados às histórias de ficção. Na nossa, longe de estarem isentas de suas próprias (e das nossas) mentiras, somos ora grandes e poderosos como gigantes sobre-humanos, ora de uma humanidade que nos coloca no nosso lugar – e companhia é o que não falta.

Quando há companhia, se se gosta dela, ou se, simplesmente, ela nos convém, procria-se, dando mais um passo essa (nossa) humanidade que não pára de caminhar. Ao vir a cria, à luz do dia, ou num ambiente tão anestesiado das dores da realidade, que não se sabe se é noite ou mesmo meio-dia, pensa-se: será um gigante quando crescer? crescerá forte? poderá ser poderoso, mesmo que não venha a ser gigante(sco)? será que se manterá humano, mesmo se poderoso? e ser crescer muito, superará sua (própria) humanidade, indo tão mais alto, que, sobrevoando-a, olhará de cima a chá humanidade?

Em meio a todas essas questões, a cria cresce, sabe-se lá quanto, quase a ponto de já poder procriar por si própria, tão cria que era há tão pouco tempo, tomando, assim, a si a tarefa de repensar, sem chegar a novas conclusões, aquelas mesmas perguntas, sempre iguais, ao longo da história das humanas criaturas.

Na ficção, pode-se, criador, manipular suas crias, embora alguns autores digam que, a certa altura, são dominados por elas, que, se querem, até procriam, à revelia dos seus criadores, antes mesmo da hora dessa cria poder dar cria, criando, desse modo, além de uma humanidade precoce, um problema a mais para se juntar àquelas (outras) questões: crescerá? será gigante ou não? poderoso nos céus ou um fracasso no chão?

Quando a cria dá cria, mesmo que seja ela mesma uma cria ainda, ainda em tempo de crescimento, sendo então somente uma criaturinha (uma criaturazinha), sem que se saiba, portanto, se já atingiu a altura final ou se há de crescer ainda mais, sente-se, assim, desligada do seu criador, por ser agora autor(a) de suas próprias histórias.

Esses vínculos que se rompem também fazem parte do caminhar da humanidade. Por mais controle que se exerça sobre a natalidade, sobre os gastos, potencialmente, ilimitados, ao menos durante o natal, isso não põe freio à humanidade, que sempre encontra um meio de caminhar, porque, para ela, e nós aí nesse meio, não importa a quantidade de crias de uma criatura ou de um conjunto delas, bastando que uma cria dê cria para que isso seja o passo que faltava à história.

Para a (nossa) história individual, pessoal para cada criador, um só passo pode ser como a descoberta de um nome mundo. para a história coletiva, social, um único passo parece exageradamente pouco, mas, mesmo assim, basta! Às vezes, quando a cria já se crê emancipada, só porque sua biologia lhe avisa que já pode dar suas próprias crias, aquela criatura que a criou até desejaria dar mais crias, procriar só para renovar esses laços que o caminhar de cada um vai, aos poucos, afrouxando, por mais atados, criadores, às suas crias: é a assustadora fantasia que enche a cabeça de algumas criaturas, e não com criaturas assustadoras, mas com a independência da cria.

Mas, aí, ou a biologia diz que essa vontade é tardia, que o relógio já bateu a hora de parar, e não é de agora, ou se atende à razão, que diz que é preciso manter a natalidade muito bem controlada, sob o risco, iminente e coletivo, de um desejo individual levar a humanidade toda a um tal estado de aglomeração, que não restará mais espaço sequer para se dar um só passo. E é sabido que sem andar a humanidade, a história para, como uma criatura que tem de parar de procriar antes da hora – e para a história essa hora não tem vez.

Aprende-se, cedo até, quando ainda se é uma “cria demais” para isso entender, que se deve amar a humanidade, por inteiro, sem escolher, portanto, essa ou aquela criatura, especificamente. Vá lá! Mas, eis que chega uma cria, criada segundo as próprias ficções pessoais, e como, então, é que se consegue amar todos do mesmo jeito, com aquela cria ali, saída da nossa fantasia (e isso não é eufemismo), mesmo que a experiência já nos tenha demonstrado, por crias anteriores, que esses fios que atam criador a sua cria são cortados no dia em que se dá um passo, mais outro, e logo já se vê o que, há tão pouco, era só (mais) uma cria, agora, já criando suas próprias fantasias; fantasias estas que podem, num dia, contemplar gigantes extra-humanos e, num outro, como se a humanidade deixasse de caminhar para saltar, indo aos pulos, já vive a espera de sua cria, assim, cria da cria, e esta uma cria também de quem, por mais criativo, foi cria, num retrocesso(!) da história que, a se lhe dar linha, chegará à primeira cria, e esta há de levar ao primeiro criador, o que procria, como num passe de mágica – pura fantasia!

Incriado, esse criador primeiro, não faz parte da (nossa) humanidade. Nós, sim, fazemos parte dessa enorme companhia, em que uns crescerão, em que outros permanecerão anônimos, por mais nobres que sejam suas ações, valendo-se justamente destas para viver, como se elas é que, criaturas sem terem criado, suas próprias crias.

Se é certo, se é errado, não sei. É assim que a humanidade caminha. E raramente damos de cara com Liz Taylor, Rock Hudson, James Dean...

CHICO VIVAS