domingo, março 01, 2015

ENCONTROS FURTIVOS


                                                                                   


Vagando, ao contrário do que intimamente esperasse, embora não o trouxesse à consciência, talvez para evitar frustrações, como se assim, encontrando-o, tomasse isso como uma surpresa, se não, não tendo (conscientemente) criado expectativas, nada sofresse (ainda que tantas dores se alojem em vãos do inconsciente, à espera – elas também! – de uma oportunidade para escaparem dali), não me deparei, em todo o caminho, e olha que andei bastante, provavelmente, sem “saber” disso, para criar as tais oportunidades, vendo que não dava de cara com o que, no íntimo, aguardava que surgisse a minha frente, com um vagabundo, nenhum tão especial, saído de alguma poesia, igualmente “vagabundo”, sem que com isso esteja pronunciado um juízo de mérito, antes pretendendo citar certo gênero de lirismo vagante, bastando-me, isso eu me dizia, mas sem palavras, pois sabe-se o quanto a expressão verbal exige mais da consciência, enquanto que símbolos, não a substituindo, expressa-a igualmente, não recorrendo a palavras, me bater, sem intenção declarada de me envolver num duelo (esse anacronismo com halo permanente de lirismo), com um vagabundo, um andarilho qualquer, alguém que, simplesmente, vague; que vague, simplesmente, por vagar, sem fazer desses seus passos aleatórios um caminhar de caso pensado, na expectativa também ele, vagabundo-em-símbolo, de dar de cara com alguém que, não tendo posto a mão na própria consciência, vai ao seu encontro, estabelecendo, desse modo, uma necessidade recíproca de se verem, frente a frente.

Eu cá comigo pensava (o que mostra que não sou tão sem consciência como eu mesmo gosto de pensar) que me seria suficiente encontrá-lo, dispensando mesmo um olhar diretamente em seus olhos (como se aí estivesse guardado o segredo de uma poesia, desmascarando, assim, esse meu lirismo vago), passando a seu lado, num roçar de ombros insuficiente para provocar qualquer arrepio, e só chamado contato físico por um desses exageros que as palavras nos permitem.

Não posso dizer que, durante toda essa minha caminhada, e que não durou pouco, estive sempre sozinho pelas estradas: não! Deparei-me com diversas pessoas, às quais dirigi meu olhar, sempre de lado, o mais discretamente possível, para identificar em cada uma delas o vagabundo que, enfim, eu procurava – e, como já se sabe, todas as tentativas foram, para mim, frustradas, frustrantes. Explicar, aqui, o que eu realmente buscava, o que caracterizava tão de perto um vagabundo, a ponto de, só de olhar, só com um olhar que sequer era direto, apenas um soslaio envergonhado, eu não poderia: era como se, nesse íntimo, ao mesmo tempo, indevassável para nós mesmos e tão claro para quem nos vê, eu soubesse, sim, o que marca esse ser que eu tanto buscava, não podendo, entretanto, pingando os pontos nas letras devidas, explicar, tintim por tintim.

O que eu não sabia, então, e continuo não sabendo dizer como eu não sabia e como sei que não sabia, era que nunca fui, naquelas sendas, o único a buscar um encontro com um vagabundo; que eu não era o único a olhar de lado, com discrição calculada, sempre na esperança de, assim, enviesadamente, afinal, gritando para dentro, exclamar que, passos tantos idos, encontrei! Se não todos, muitos dos que, vagabundos em potencial, nenhum deles, a meu ver, o que eu buscava, passaram por mim, até roçando, com fricção autentica, meus ombros, juntavam-se a mim na mesma busca, em procura semelhante.

Eu que sempre cri saber muito, não desconfiei que igual frustração experimentada por mim também fora “saboreada” por muitos deles, os que, de lado, jogaram seus olhos esperançosos, aguardando que, num átimo, eles lhes dissessem: é esse o vagabundo que tanto procura! E, orgulhoso do meu saber, desconfiei menos ainda de que, ao menos para um deles, eu, enfim fui o vagabundo desejado, olhado de lado, num golpe de olhos tão discreto que não percebi: e é possível que um roçar de ombros, proposital, e que tenha despertado em alguém um acúmulo de arrepio, em mim, só o desconforto por achar que, na tentativa de, discretamente, encontrar o que procurava, nesse contato físico, quase pus tudo a perder.

Olho, de vez em quando, para os lados, mesmo para trás, para me certificar de que, sendo o achado para quem me buscava, ainda sou, por onde quer que eu ande, uma esperança para alguém. Nada vejo! Nada percebo! A não ser que talvez seja assim mesmo, não vendo, não percebendo, que melhor se é visto, se é percebido: mas, disso eu não sei.

CHICO VIVAS