segunda-feira, junho 01, 2015

CEM METROS (de) FUNDOS




A roubalheira corre solta, e se se percebe que se corre atrás da roubalheira que corre solta, há uma grande chance, sem que isso seja nostalgia de uma TV à moda antiga, de que se esteja, então, nessa pressa toda, não se medindo, entretanto, esforços para se alcançar o objetivo, não no encalço dela, para se lhe interpor um obstáculo, e, quem sabe, pôr, definitivamente, um ponto final nessa sua corrida desenfreada, mas é bem possível que se queira tirar proveito da própria roubalheira, quer dizer, dela em si, pois ainda não é própria, e quando vier a ser, deixará, num sofisma fácil, de ser o que sempre fora, roubalheira, passando, como que por efeito da ação de um prestidigitador, a uma chance, tão grande, que a deixar passar, sem lançar mãos sobre ela, mesmo que assim se esteja manipulando a coisa alheia, torna-se atestado de burrice: e, nesse caso, é de se pensar se, atribuindo-se atitude semelhante aos burros, se não são eles, podendo correr mais do que os homens, preferencialmente, à solta, sinal de pouco ou ainda nenhuma domesticação, bem melhores do que nós.

Não que os burros não lancem – não posso, aqui, para não forçar a mão na retórica, falar, em se tratando de burros, de mãos, não ficando bem, porém, falar em patas, pelo tom pejorativo, ainda que natural para os burros, que isso assume – olhos sobre o que, de direito, pode não lhes pertencer, embora, aí, possam, se não fossem tão burros, se fossem mais ladinos, como somos nós, do argumento, premissa do direito, de se é inocente, até surgirem as provas em contrário, contundentes como elas só: mas, o advogado da outra parte, a parte supostamente roubada, e que vive sua própria correria solta (e não digo que atrás de uma roubalheira, porque não tenho provas definitivas a esse respeito), pode lançar mão, e nem precisa ser um advogado dos mais inteligentes, do pressuposto jurídico de que não se pode argüir a inocência de alguém com base na sua ignorância...da lei – e, nisso, os burros levam (mais uma) desvantagem.

Deixemo-los, ora, de lado; deixemo-los pastar, sem que os tenhamos, com ênfase irônica, mandado que eles o fossem; deixemos que busquem, por onde encontrarem, o que comer, comendo mesmo capim pela raiz, sem que isso signifique sua morte, significando mesmo uma sobrevida, ainda que, por instinto, tenham adentrado, por ignorarem leis em contrário, terrenos alheios, cercados por uma série de leis que funcionam, mesmo quando as áreas estão livres de cercas visíveis, como verdadeiros arames farpados. Enquanto eles se refestelam – e há, aqui, certa impropriedade, considerando que, burros que são, comem o que precisam, comem daquilo que circunstancialmente dispõem, sem desejos pessoais, sem idiossincrasias de gosto –, paradinhos, com um tanto de capim, alimento dos mais “naturais”, ainda que, eventualmente, capim-gordura, fiquemos nós a discutir a melhor maneira de, correndo solta, sem que alguém consiga parar com isso, tirar proveito de tanta roubalheira, talvez, coisa de que nenhum burro (que se preze como tal) é capaz, universalizando a roubalheira para assim estendermos um direito particular para nós também, sem, contudo, nesse instante, mais concentrado em tirarmos proveito pessoal, observarmos que acabamos de abrir grave precedente – como se houvéssemos rompido a cerca de arame, sem nos importarmos com suas farpas –, na medida em que, tornando de todos o que era de uns poucos, passando, nós, a ter direito sobre a roubalheira, estaremos nos fazendo de (legítimos?) proprietário, portanto, um prato cheio para outros, que também correm atrás, valendo-se do mesmo direito.

Está, então, instaurado o caos. Isso, é de se prever, dirá não um burro, que, para si, basta haver capim, mesmo sem gordura apetitosa, sem outros temperos, sequer exigindo que esteja novinho em folha (de grama), e sim um homem que, por não ter forças, seja para correr, seja para superar antigas morais (de TV?), maldiz toda essa roubalheira, vendo, aí, sua  grande chance de, alheio ao crime feito lei, insiste na lei, não entendendo como, de uma hora para outra, está sendo acusado de infringir a ordem.

Quem mandou ser burro?! Ou melhor, quem mandou não sê-lo?!

CHICO VIVAS