terça-feira, dezembro 01, 2015

MAIS VALIA A PENA



Mais valia é um intrincado conceito para a diferença entre o preço pelo qual um homem (ou uma mulher, já que exploração não tem preferência de gênero, a menos que seja uma exploração justamente de um genro específico) é vendido e aquele pelo qual foi comprado, havendo, o que mostra o grau elevado de alienação (outro intrincado conceito) dos explorados, a possibilidade, mais do que real, de um homem explorado juntar suas economias, ganhas, quando consegue juntar algum, com seu suor, com a exploração a que é submetido, para comprar, sonho de consumo, um outro, ou, sutilezas do gênero, uma outra, sem se dar conta de que, assim, além de fazer girar os estoques, o que agrada muito ao explorador (de homens), ajuda a perpetuar a exploração, o que, nem de longe, desagrada a quem explora.

Para comprar um outro homem, um homem explorado se rende – porque, mal disfarçado, o crediário é um assalto – a compras a prazo, como se dividisse, em prestações cuja aparente suavidade o impede de sentir uma violência concentrada, a exploração de que é...objeto. E chega mesmo, para não atrasar, com sua moralidade burguesa, mesmo não passando da ralé operária, a atrasar as suas próprias prestações: a dívida, parcelada, que contraiu ao cair no conto do compre-a-si-mesmo, como se assim, fechando esse negócio (para o florescimento de outros tantos), ao se comprar, recuperasse seu eu, seja lá o que isso queira dizer, que o próprio explorado, o que se vende compulsoriamente, não sabe, tendo-se deixado levar mais pela propaganda que o fez acreditar numa necessidade do que pelo reconhecimento de que tal necessidade existia mesmo.

Não sendo, exatamente, um explorador (não tenho cacife para isso, para ter homens – e mulheres – a meu dispor, sendo por mim explorados), aqui, eu já fico no lucro ao não entender muito bem essas piadas Capital(istas) de Marx (será que ele tinha irmãos? será que algum deles se chamava, como eu, Chico? se sim, tomara, ao menos, que tenha sido mais engraçado do que eu), caso contrário, haveria-de me estender ao longo dos séculos de história, talvez sem perceber, por sutilezas da ideologia, que sou explorado também, embora não esteja claro por quem, afinal há muito tento me vender, mas creio, pelos regateios, regateiro que nem sou, que não valho a pena com que, virtualmente, escrevo, pois até agora ninguém se dispôs a me comprar, nem mesmo com as muitas prestações em que me divido, para apressar o negócio.

E não me orgulho, como um moralista que se jacta disso, mesmo que seja o único, só , num mundo de negócios, de ainda estar à venda. A solução, à vista, talvez fosse tirar, de uma vez, a venda dos olhos e enxergar os mecanismos ideológicos. Mas, será que, vendo, então, tanto assim, não estaria apenas crendo-me vencedor, alimentando outras idEias, numa seqüência de “desvendamentos” sem fim?

Entre a clássica mais(-)valia e essa constatação de que mais valia...seja lá o que for, há um traço de união; há um hífen que muda toda a história, e não só da economia. O hífen de agora, embora já se chamasse assim antes, era apenas um traço de união. Desconheço a etimologia do “hífen”, mas, é flagrante a objetividade, ainda que numa expressão mais comprida, em chamá-lo de traço de união.

Há penas que vivem com um hífen entre elas: e não falo de um João-Maria ou de uma Maria-João. O traço, originalmente, de união se torna, não raro, um hiato, aquela divisão silábica em que uma vogal e outra, pertencentes à mesma sílaba, na divisão, vai cada qual para seu lado. E hiato é também uma...lacuna, um espaço ainda aberto, clamando por ser completado, preferencialmente, com acerto. Com o tempo, e sem tempo para se soletrar cada palavra, sentindo-se, assim, na própria língua, a exata “silabação”, mesmo de experiência já tão rotineiras, como a-mor (o que não significa um amor-mor, maior do que os outros): e o amor, quando verdadeiro, pode se dividir para além das normas canônicas da língua, quase tornando infinitas suas possibilidades de partilha, aparentemente, limitadas a quatro letras, o hífen, como comecei a dizer, lá atrás, com o tempo, esse traço de união, exibe-se um tanto confuso, sem que se saiba ao certo se é usado para formar um substantivo composto, que pode ser próprio, como o próprio João-Maria, como pode ser mais comum, como um João-ninguém, tão comum por aí, principalmente, quando o preço de venda não produz, em relação ao de sua compra, um lucro animador.

É, a vida gosta de fazer certos trocadilhos, até cruéis, do sonho de uma união prolongada, e tão assim, que os únicos traços a serem admitidos nessa união seriam os da face, na mesma proporção nas duas de cada car, para manter, apesar do tempo, uma certa harmonia, ora, de traços, e nas faces de ambos os traços dessa união que te pode conhecer os seus hífens, mas não esquecem o prazer dos ditongos, com as duas vogais, inseparáveis, na mesma silaba – é verdade que (ainda) há os tritongos, com três vogais, ms não me sinto muito à vontade para introduzir, aqui, um terceiro, pois vai que se o usa como justificativa para se mudar de quarto, ainda que vivendo entre as mesmas quatro paredes, uma lacuna cheia de silêncios reverberantes.

Para os traços na face são vendidos cremes como solução: há quem ganhe (muito) com isso, e nem se importe, por falta de tempo para se olhar no espelho, que suas faces estejam já tão tracejadas, e há os que não se sentem explorados, já que conseguiram suavizar alguns dos seus traços mais evidentes; e há ainda os que trazem nas próprias faces o deságio dessa história.

Para as uniões são vendidas também algumas soluções, nem sempre muito cremosas, como a de dar um tempo, de ter mais paciência. Explorado, conscientemente, explorado, ignorando essa exploração, porque quem está no jogo não pode ser, ao mesmo tempo, privilegiado espectador, também eu ratifico a ideologia e me faço explorador: o que é que fiz aqui, senão explorar, em linhas, a união, o hífen, a divisão silábica, e certos traços comuns a todos, exploradores ou não, traços achados em quem está nessa história, exploradores ou não.

CHICO VIVAS

domingo, novembro 01, 2015

IMPERATIVOS DO CORAÇÃO



“Todo mundo tem vinte e quatro horas por dia, nem mais e, raramente, menos do que isso, e qualquer maneira de passar o tempo me parece boa. Depende, claro, do temperamento de cada um”. (DASHIELL HAMMET)


Acalmai-vos, corações assustadiços, pois lhes garanto que não há, aqui, nenhum crime, a não ser o, aparentemente, indolor de matar o tempo, assassinato que, aliás, mesmo a espíritos mais retos, causa um grande prazer, desde que não sejam assassinatos em série, já que isso configuraria um desvio desse mesmo espírito, desabando, então, no abismo da preguiça, ainda que saibamos todos que há, sim, abismos deliciosos, daqueles em que se aproveitam todos os instantes da queda. Crime não há, mesmo que surjam suspeitas imediatas, haja vista o autor da frase em epígrafe.

Também, e isso é, talvez, mais importante para esses mesmos corações que se sobressaltam com tanta facilidade, não há ação, enquanto, pelo menos, não se considerar como tal a simples sucessão de momentos, pois, com ação, quero me referir, especialmente, àquelas de tirar o fôlego – as que, justamente, mais assustam os corações.

Quanto a mistérios, e isso já se vê pela sequência de declarações acerca do que não há, aqui, tranquilizai-vos, corações, ó músculo pulsante, todo cheio de si, a ponto de estufar o peito, em que pode haver um ou outro dó, que não haverá enigmas que, de uma hora para outra, exatamente na hora em que nada parece acontecer, deem as caras.

Como esse tom negativista, dizendo tudo o que não há, iria longe, caso me decidisse a isso continuar fazendo, sejamos mais positivos, alimentando, com polegares para o alto, os corações simples, e mesmo aqueles de gosto mais sofisticado, quando em público, embora seja um assunto marcadamente privado o que vai no peito de cada um, mas que, na privacidade do próprio tronco, lambuzam-se de tolices com forte apelo terapêutico – e se dá a ilusão “real” de que é a mais pura verdade, que importa, se é ou não um placebo?!

E uma das maneiras de se fazer isso pode ser dizer que o tempo que se perde, perde-se-o para se encontrar, pela experiência, a sabedoria mais à frente; e, às vezes, muito lá na frente. Ah! falar assim é como passar diante dos corações simples com apetitosas bandejas, capazes de encher os olhos; e para darmos o mesmo banquete a outros corações, algo esnobes, algo covardes ao não admitirem o forte apelo do senso-comum, enfeitemos a coisa, reforcemos o placebo com a embalagem da poesia, esse mais alto ponto a que pode chegar um espírito, e passemos diante deles uma travessa – não! é melhor que a chamemos de salva, preferencialmente, de prata. Dentro dela, recendendo a nobres palavras, mais pelo resultado da mistura do que, propriamente, pela lista de ingredientes, quando tomados individualmente, T.S.Elliot: “Só por meio do tempo é que se conquista o tempo”.

Fartai-vos, corações! Eu, de cá, fico a pensar, deixando a impressão, aos simples, de que sou esnobe de coração, e aos aristocratas, de que não passo de um reles, o quão autófago (serei esnobe?) é o tempo, alimentando-se de si mesmo, comendo-se e, em conseqüência, levando avante sua progressão: e vê que contradição, se comparado à humana condição, já que no nosso mecanismo de adição e subtração, se devoramos algo, diminuímo-lo, se nos devoramos (e a razão disso podem ser motivos do coração), diminuimo-nos em nossa humanidade, ainda que só ajamos assim justamente por causa dessa mesma condição.

Coração, seja qual for a tua casta, não te consumas com tais especulações, porque o tempo...ah! este é um comilão que se fortalece, a cada dia, desejando sempre mais, enquanto tu, coração, se arderes (que entrar em combustão é uma forma de te consumires), que seja por uma febre que queima, mas que sabe também, já morna, acalentar, sem que essa fogueira incendeie o peito, chegando a fazê-lo em cinzas, podendo os olhos ficarem vermelhos, ainda que sejam cinza.

Contai, corações – porque, afinal, salva algumas particularidades, somos todos iguais – com todas as vinte e quatro horas rituais, mesmo que, ardendo de desejo, ora elas vos pareçam se dilatar numa experiência, aqui, de eternidade que não se sabe, ao certo, se há em algum outro lugar, ora passam tão de repente, que logo se sente saudade da fogueira que tomava lugar no peito.

E mesmo, corações, quando vos tocardes, sentindo-vos um tanto quanto mornos, como naquelas horas em que apenas auscultar o peito e medir a temperatura é só um passatempo, não vos desespereis, pois estais vivos, mesmo que sem aquela ação que os mais desesperados julgam ser o verdadeiro nome da vida.

Aqui, por exemplo, ainda que eu (nem meu coração) sirva de modelo, não houve ação, nenhum mistério, e quanto a crimes, só o já anunciado de início, sem mais surpresas. No entanto – porque foste tu que me trouxeste  e não o contrário, ó coração ao qual me dirijo pela lembrança –, vivi, em linhas (gerais), um tempo infinito que, aliás, não se acaba com este ponto final. ...

CHICO VIVAS

quinta-feira, outubro 01, 2015

COISINHA DE NADA





Tenho só duas coisinhas para contar – e, dado como sou a muitas histórias, isso não deixa de ser uma notícia auspiciosa, sinal de que não tomarei muito tempo. As coisinhas que devo contar são estas: areia e estrelas.

De cara, parece que houve um ludíbrio, e o que era doce – só duas coisinhas!... –, agora, amargura, só de pensar no tempo a ser gasto contando estrelas e areia. A areia, hei-de achar perto do mar. Quanto às estrelas, não é preciso ser astrônomo profissional, bastando ser um aprendiz de amante romântico para saber onde se as pode encontrar. Se bem que, do jeito que este mundo gira, pode-se recorrer às estrelas-do-mar, desde que o mar seja muito bem estrelado, como um filme de grande orçamento, boa parte deste destinada justamente à escalação do elenco profissional para papéis românticos de aprendizes na arte de amar, ou, tudo já de pernas para o ar, pode-se, em lugar da areia do mar, contar-se estrelas, com a condição de que o céu escolhido – como que escalado para isso – esteja coalhado de estrelas, inclusive com a poeira (estelar, claro) daquelas que passam como um meteoro pela vida, com brilho intenso, enquanto passam, sem se darem conta de sua própria fugacidade.

Tanto o cálculo das estrelas, quanto o da(s) areia(s) são infinitesimais, tenha-se os pés bem plantados no chão, mesmo que num terreno arenoso, ou a cabeça vagando pelas nuvens, em pleno terreno da imaginação. Então, como contar, de uma vez, essas coisinhas: a areia, sabemos que é assim mesmo; já as estrelas, sabemo-las enormes, embora as vejamos tão pequenas, quase como grãos de areia? A areia pode-se se pegar na mão, ainda que não dê para se a contar, grão a grão, nos dedos. Estrelas são calculadas com os olhos, enchendo o coração de um romântico – tão antiquado, hoje, quanto o desenho anacrônico de uma ampulheta – tão assim, romântico, que chega a querer “colher”, como se um céu de estrelas fosse terreno...para isso, uma delas para dar de presente, na crença, sincera talvez, de que esse seu furto não desequilibrará a ordem do universo.

E sigo, eu, ainda a contar essas coisinhas, aqui, sem chegar a uma conclusão. E não falo de uma resposta exata para essas contas, bastando-me uma soma aproximada, pois, nesse caso, a prova dos nove é a repetição da operação: e quem há de querer contar essas coisinhas, vendo já o tempo, o próprio, que perdeu ao, sem mover um só dedo, testemunhar esses meus cálculos despropositais, não desejando, portanto, empatar igual soma do tempo próprio só para, desconfiado, tirar a prova da precisão da minha conta? Podemos tentar chegar a um acordo: e o acordo é justamente trocar pelo tempo – essa coisinha à toa – as tais duas coisas, estrelas e areia, que me propus, de início, e isso já vai longe, a contar. Desse modo, deixaria a areia para lá, para seu mar, fazendo o mesmo com as estrelas, sejam estas as do mar, sejam as do céu em noite de brilho, claro, estelar, passando somente a contar o próprio tempo.

Reconheço que proposta, aparentemente, tão generosa, em especial, para quem já gastou muito tempo comigo, há de levantar dúvidas quanto à dificuldade ainda maior em relação à contagem do tempo do que a quase impossibilidade de se contar, a contento, de maneira convincente, por mais infinita que seja a paciência das estrelas (e “estrelas” raramente são pacientes), tantas quanto areia, e areia, na qual, além dos grãos, pode-se, eventualmente, se achar também estrelas...do-mar aposentadas pela idade, aposentadas beldades de outrora ou lançadas no ostracismo devido ao ritmo acelerado da produção em série de céus demasiado fugazes, tento de se contentar com antigas lembranças, como um colar de pérolas surrupiado de ostras desavisadas.

É bem verdade que tempo, e muito, já perdemos tentando enumerar areia em grãos e estrelas aos montes, sendo talvez mais razoável, a essa altura, em lugar de as trocar por tempo, levar essa conta até o fim, com o risco calculado de fim, rigorosamente, não haver, e, a cada segundo que passa, como um grãozinho que despenca de uma âmbula para a outra, até que tudo, novamente, seja virado de ponta a cabeça, mais tempo perdemos, isso sem contar o papel...que faço aqui, papel de perdulário, gastando, como essas coisinhas, miudezas em geral, minha reputação de “contador”, trazendo à tona minha inabilidade com os cálculos.

CHICO VIVAS

terça-feira, setembro 01, 2015

HAMLET, SEM DÚVIDA



Persigno-me. Mas, do que me vale – valha-me quem pode me valer, quem tem para isso poder! – carregar assim minha face, que já tem lá, em si, seus traços, e que não são poucos, a essa altura da vida, de uma que não se fez suficiente para que, pouco crescido, possa acrescentar, aos meus traços característicos, um certo ar de altivez, carregando este meu rosto com cruzes – num sinal de quê? – feitas com a lateral do pequeno polegar, pois ainda quando grande, contrariando os outros, inclusive, de todos, o mínimo, é sempre, dos dedos, o menor?

Uma dúvida me persegue, estando sempre onde eu estou, por mais que me aproveite dos momentos em que, isso assim me parece, sua guarda está (em) baixa, com sentinelas, que deveriam estar sempre com armas postas, em punho, prontas para conter um levante, um ataque, fora do seu posto de observação, do qual exerce, sobre nossas ações tão “terrenas”, um controle aéreo, mesmo que sua imaginação rotineira não conheça maiores vôos. E se essa sua perseguição fosse tão-só um correr atrás de mim, sendo ela uma dúvida dessas que, de tão corriqueiras, quase que se as doma, se as domestica, a ponto de se sentir sua falta, se se olha para trás e, contrariando as expectativas de uma vidinha repetitiva, não mais se a vê ali, pronta e a postos para continuar, sabe-se lá até quando, no calcanhar.

O problema é que se trata de uma dúvida cruel. E dizer assim soa a uma fácil recorrência, a uma expressão hiperbólica de uma hesitação que talvez nem passe de (se) saber se (se) deve dar livre expressão aos exageros que (nos) são próprios ou se (se) deve contê-los numa fórmula que, não lhe subtraindo sua face real, não a cumule com traços que não lhe pertencem, de direito. Não! o que me assusta não é a dúvida substantiva, abstrata demais para quem, de fora do armário, não se vê às voltas com uma decisão que se tem (de tomar) na gaveta: isto ou aquilo – podendo ser ambos, já que aos olhos não há, muitas vezes, diferenças significativas que faça isto tão diferente daquilo, tornando assim indiferente que se opte por um ou por outro. Susto mesmo me prega esse “cruel” adjetivo que faz de uma dúvida, passível de convivência, até sinceramente cordial, a probabilidade de inomináveis castigos; e estes em qualquer caso: fazendo-se uma escolha, se se escolhe errado, ou não fazendo nada, insistindo na dúvida, dando-se a si mesmo esse benefício, sem conseguir (se) sair dela, alimentando-a, robustecendo-a, o que, fatalmente, (quem duvida disso?), a levará a se tornar cada vez mais o que já é – cruel!

Talvez seja o caso de se tomar, de pronto, uma decisão, qualquer que seja ela, acreditando-se que por pior que tenha sido a escolha feita, isso não se compara com os rigores, crudelíssimos, de se continuar deixando-se perseguir, especialmente quando se anda, nem sempre de caso pensado (os melhores casos ficam longe da razão), em vias que não primam por serem conhecidas como avenidas de infinita retidão.

Contudo, não nos enganemos e, assim, confundamos essa crueldade, embora aquém dos delírios masoquistas de antecipados castigos, com uma face compassiva, a não se entender como se pôde passar tanto tempo fugindo-se dessa dúvida, agora tomada como uma duvidazinha. O cruel de toda dúvida é ser a dúvida que é. Sem qualquer certeza de que as cruzes desenhadas na fronte, sobre os lábios, próximas do coração possam mesmo nos livrar dos traços, duvidando-se já se ser cruel não é uma saída para enfrentar tamanha perseguição, deixo o tempo passar.

Ah! e quantas dúvidas, com cara de perseguidor cruel, não eram nada mais do que o efeito da luz e da sombra (da própria dúvida), criando monstros de penumbra. Mas, em compensação, quantas crueldades, tomadas, a princípio, por um castigo merecido, não se revelaram bem piores do que aquela sua domesticada face!

CHICO VIVAS