Mais valia é um intrincado conceito para a diferença entre
o preço pelo qual um homem (ou uma mulher, já que exploração não tem
preferência de gênero, a menos que seja uma exploração justamente de um genro
específico) é vendido e aquele pelo qual foi comprado, havendo, o que mostra o
grau elevado de alienação (outro intrincado conceito) dos explorados, a
possibilidade, mais do que real, de um homem explorado juntar suas economias,
ganhas, quando consegue juntar algum, com seu suor, com a exploração a que é
submetido, para comprar, sonho de consumo, um outro, ou, sutilezas do gênero,
uma outra, sem se dar conta de que, assim, além de fazer girar os estoques, o
que agrada muito ao explorador (de homens), ajuda a perpetuar a exploração, o que,
nem de longe, desagrada a quem explora.
Para comprar um outro homem, um homem explorado se rende –
porque, mal disfarçado, o crediário é um assalto – a compras a prazo, como se
dividisse, em prestações cuja aparente suavidade o impede de sentir uma violência
concentrada, a exploração de que é...objeto. E chega mesmo, para não atrasar,
com sua moralidade burguesa, mesmo não passando da ralé operária, a atrasar as
suas próprias prestações: a dívida, parcelada, que contraiu ao cair no conto do
compre-a-si-mesmo, como se assim, fechando esse negócio (para o florescimento
de outros tantos), ao se comprar, recuperasse seu eu, seja lá o que isso queira
dizer, que o próprio explorado, o que se vende compulsoriamente, não sabe,
tendo-se deixado levar mais pela propaganda que o fez acreditar numa
necessidade do que pelo reconhecimento de que tal necessidade existia mesmo.
Não sendo, exatamente, um explorador (não tenho cacife
para isso, para ter homens – e mulheres – a meu dispor, sendo por mim
explorados), aqui, eu já fico no lucro ao não entender muito bem essas piadas
Capital(istas) de Marx (será que ele tinha irmãos? será que algum deles se
chamava, como eu, Chico? se sim, tomara, ao menos, que tenha sido mais
engraçado do que eu), caso contrário, haveria-de me estender ao longo dos
séculos de história, talvez sem perceber, por sutilezas da ideologia, que sou
explorado também, embora não esteja claro por quem, afinal há muito tento me
vender, mas creio, pelos regateios, regateiro que nem sou, que não valho a pena
com que, virtualmente, escrevo, pois até agora ninguém se dispôs a me comprar,
nem mesmo com as muitas prestações em que me divido, para apressar o negócio.
E não me orgulho,
como um moralista que se jacta disso, mesmo que seja o único, só , num mundo de
negócios, de ainda estar à venda. A solução, à vista, talvez fosse tirar, de
uma vez, a venda dos olhos e enxergar os mecanismos ideológicos. Mas, será que,
vendo, então, tanto assim, não estaria apenas crendo-me vencedor, alimentando
outras idEias, numa seqüência de “desvendamentos” sem fim?
Entre a clássica
mais(-)valia e essa constatação de que mais valia...seja lá o que for, há um
traço de união; há um hífen que muda toda a história, e não só da economia. O
hífen de agora, embora já se chamasse assim antes, era apenas um traço de
união. Desconheço a etimologia do “hífen”, mas, é flagrante a objetividade,
ainda que numa expressão mais comprida, em chamá-lo de traço de união.
Há penas que vivem
com um hífen entre elas: e não falo de um João-Maria ou de uma Maria-João. O
traço, originalmente, de união se torna, não raro, um hiato, aquela divisão
silábica em que uma vogal e outra, pertencentes à mesma sílaba, na divisão, vai
cada qual para seu lado. E hiato é também uma...lacuna, um espaço ainda aberto,
clamando por ser completado, preferencialmente, com acerto. Com o tempo, e sem
tempo para se soletrar cada palavra, sentindo-se, assim, na própria língua, a
exata “silabação”, mesmo de experiência já tão rotineiras, como a-mor (o que
não significa um amor-mor, maior do que os outros): e o amor, quando
verdadeiro, pode se dividir para além das normas canônicas da língua, quase
tornando infinitas suas possibilidades de partilha, aparentemente, limitadas a
quatro letras, o hífen, como comecei a dizer, lá atrás, com o tempo, esse traço
de união, exibe-se um tanto confuso, sem que se saiba ao certo se é usado para
formar um substantivo composto, que pode ser próprio, como o próprio
João-Maria, como pode ser mais comum, como um João-ninguém, tão comum por aí,
principalmente, quando o preço de venda não produz, em relação ao de sua
compra, um lucro animador.
É, a vida gosta de
fazer certos trocadilhos, até cruéis, do sonho de uma união prolongada, e tão
assim, que os únicos traços a serem admitidos nessa união seriam os da face, na
mesma proporção nas duas de cada car, para manter, apesar do tempo, uma certa
harmonia, ora, de traços, e nas faces de ambos os traços dessa união que te
pode conhecer os seus hífens, mas não esquecem o prazer dos ditongos, com as
duas vogais, inseparáveis, na mesma silaba – é verdade que (ainda) há os
tritongos, com três vogais, ms não me sinto muito à vontade para introduzir,
aqui, um terceiro, pois vai que se o usa como justificativa para se mudar de
quarto, ainda que vivendo entre as mesmas quatro paredes, uma lacuna cheia de
silêncios reverberantes.
Para os traços na
face são vendidos cremes como solução: há quem ganhe (muito) com isso, e nem se
importe, por falta de tempo para se olhar no espelho, que suas faces estejam já
tão tracejadas, e há os que não se sentem explorados, já que conseguiram
suavizar alguns dos seus traços mais evidentes; e há ainda os que trazem nas
próprias faces o deságio dessa história.
Para as uniões são
vendidas também algumas soluções, nem sempre muito cremosas, como a de dar um
tempo, de ter mais paciência. Explorado, conscientemente, explorado, ignorando
essa exploração, porque quem está no jogo não pode ser, ao mesmo tempo,
privilegiado espectador, também eu ratifico a ideologia e me faço explorador: o
que é que fiz aqui, senão explorar, em linhas, a união, o hífen, a divisão
silábica, e certos traços comuns a todos, exploradores ou não, traços achados
em quem está nessa história, exploradores ou não.
CHICO VIVAS