sábado, maio 03, 2008

A MÃE DE TODAS AS COLAS





ão é nenhuma coca-cola: e não era mesmo para ser. E se a coisa esquentar, se for preciso dar um refresco para retomar o gás, antes, uma pepsi – com bastante gelo e limão, este, não muito.

Alguns auto-outorgados, outros feitos assim à própria revelia e pelo reconhecimento alheio de sua importante participação nesse ato de criação, embora não estejamos, rigorosamente, falando de teatro, há vários presumidos pais para o cinema: desde Thomas Edson (quem há-de negar que foi mesmo ele quem nos deu, a todos, a luz?), uma espécie de pai intelectual, mesmo antes de surgirem as primeiras teorias sobre o cinema, até, deixado, o cinema ainda em seu alvorecer, esse Alva, outros, como Méliès, os irmãos Lumière (numa experiência, avant-la-lettre, de paternidade compartilhada), sem nos esquecermos, nessa enumeração, daqueles que, vindo depois, tudo ainda carente de idiossincrasia, deram ao cinema um sobrenome: Griffith, Einstein, Ford, Wilder...

Mas, tomando como base a (nossa) experiência humana (e o cinema é uma, mesmo quando se diverte, e a nós, com desenhos animados, mesmo quando se desvia, desviando nossa atenção das coisas deste mundo, para as ficções além-humanidade: seja como for, sempre nos reconhecemos nele), com pais de sobra, esse filho-da-mãe, por mais pudico e moralista que possa ser um cinema, é mesmo filho de quem? Qual o nome da mãe?

De saída, é difícil se estabelecer uma maternidade. Com o tempo, surgiram nomes (e sobrenomes) que não deixam nada a desejar, ainda que, também atrizes, possam, essas mães, ser (ainda) muito desejadas.

Joan Crowford, pelo que eu sei, não é uma dessas, ainda que tenha ajudado muito para que o cinema mostre-se com pose, posando de “grande”. Embora tenha sido – e não buscou, jamais, esconder isso em uma biografia fictícia, tão ao gosto de sua época – uma “mulher qualquer” em certa fase, acabou subindo na vida. E se não foi mãe do cinema, este lhe deve, eternamente, alguns dos seus melhores momentos de vida.

Mãe (de “verdade”), dentro de uma história mais estritamente humana, adotada sua Christina, viu-se, atriz das melhores, personagem de um livro de memórias: em que pesem uma ou outra passagem assim-assim (e quem liga para passagens assim?!), o que prende mesmo o leitor (e espectador?) são as passagens em que a mãe surge, como num drama verdadeiro, má: até a podemos ver, com seu rosto anguloso, comprido, olhos inequívocos (sem dúvida), e sobrancelhas desenhadas, num arqueado que lhe empresta, sem favor, um ar de quem está, mesmo quando no lar, eternamente, num set, pairando acima de todas as outras estrelas.

A essa altura, um refrigerante talvez se faça necessário, seca como já se deve estar com a boca, de tanto me “ouvir” falar: e é aí que entra a Pepsi (& Co.), herança do marido milionário: Crowford, tantas vezes poderosa de mentirinha, agora, de verdade, é dona do poder. Como, no entanto, ensina-nos qualquer reles refrigerante gaseificado, o que não é consumido em seu próprio tempo, na crença de uma vida eterna (as estrelas caem nessa armadilha), há-de, mais cedo ou, impontuais essas atrizes, um pouco mais tarde, perder o gás.

Então, a vida passa a ser não mais do que uma água com açúcar, enjoativa, mesmo quando se tem de lidar com uma filha daquelas, e os filmes, perdido seu efeito efervescente, têm-se de contentar, e nós com eles, com uma xaropada só. E se for um desses filmes sobre a relação mãe-e-filho(s), as verdades parecem inverossímeis, uma coisa que, temem os produtores, o público (mães e filhos) não hão-de engolir, para sorte do vendedor de pepsi ou de uma coca, colal qualquer. Nesse caso, restam os roteiros inspirados em qualquer coisa, nada originais, com relatos de filhos a respeito de seus pais: pura inverossimilhança para um leitor, porém, visto na adaptação para o cinema, apesar do exagero que lhe é próprio, em closes antinaturais, parecem (ser) a vida real.

E, tecnicamente, uma ilusão, todo cinema será sempre (de) ficção. Naturalmente, boas, como as quer certa ficção com ares de aprofundada pesquisa acadêmica ou filosofia imparcial, tomando, claramente, as dores das mães, estas, indo ao cinema, identificam-se, de imediato, com qualquer mentira que se conte a seu respeito, numa generalização em que se sentem, quase nominalmente, apontadas, chegando a rir, no escuro da sala, algo envergonhadas, como se todos os espectadores, vendo o filme, reconhecessem-nas como a dona daquela história. No entanto, mesmo que digam que existem “mães assim”, deparando-se com dramas de uma verdade que não dá refresco, nem alivia a barra (da saia) das mães, fazem-se, repentinamente, filósofas revolucionárias ou acadêmicas aguerridas, na defesa do que dizem ser a boa reputação das mães, defendendo, no íntimo, a manutenção da imagem que, mães em geral, fazem de si mesmas.

E vai que entre tais mães surge uma filha – “de verdade” ou “de mentira” – e, num relato, em escrita suspeita, provavelmente fantasma, com assustadoras passagens, expõe, longe da beleza mítica dessa materna figura, os bastidores da família: a mãe afunda em si, desaparecendo em sua vergonha; a filha, se bem vendidos os (seus) direitos, afunda numa boa grana (e talvez, depois, adoce a boca da mãe); e nós, consumidores de tudo, pagamos o pato.