sábado, maio 09, 2009

A MÃE DE TODAS AS HISTÓRIAS



ito por mim, parece que alguém me soprou, ainda que, com isso, não se subentenda que, antes do sopro, sendo então este uma consequência, fui devidamente mordido. O fato é que há palavras que o vento se encarrega de levar, sem que se o tenha encarregado disso, como se pondo tal fardo (de palavras – o que, por si só, não pesa menos) em suas costas, partindo dele próprio, portanto, a decisão de levar isso adiante.

Se o vento leva até filmes inesquecíveis, até épicos (e destes já quase não se tem lembrança), até histórias de amor (tanto as que se julgavam inesquecíveis quanto as que nem lembrança deixaram), por que não haveria, as palavras, de as levar? Leva-as. E se o filme – e todos eles, como se não pudessem disso escapar, por mais que tentem uma originalidade, acabam por uma história de amor contar – for, justamente, “Palavras ao vento”, nem é preciso tanto o (próprio) vento se esforçar, bastando, assim, um mero sopro para se levar.

O tempo, com sua linha que atravessa histórias – épicas ou de amor –, quando se junta com o vento... O tempo (é veríssimo), e o vento (sem que haja comprovação acerca da veracidade de sua participação) levaram consigo os aventais: hoje, ninguém mais cozinha – faz experimentações; ninguém mais experimenta, na palma da mão, na ponta da língua – degusta com o espírito; ninguém mais encosta o umbigo no fogão – é-se, com o título de professor, mestre em assim se autoproclamar, chèf.

Não se pode dizer, a bem da verdade, que o tempo (e, eventualmente, o vento) tenha levado embora os ovos, talvez porque se saiba que, etimologicamente, eles são a origem de tudo. Mas levou as mães, lavando as mãos – e não há como negar, por mais mudanças de ar, que o tempo não tenha aí sua responsabilidade, levado como ele só.

As mães, aquelas de avental, com ele sujo, dizendo, com alguma poesia musicada, que a sujeira era de ovo (como se assim limpasse a própria barra), mesmo que seja só, aquela sujeira, o acúmulo do tempo, estas foram levadas. E para se as rever, só mesmo se recorrendo a algum filme, um que o tempo quase tenha levado, desde que não seja aquele do Vento, que nesse não há mães assim, havendo, em seu lugar, as negras, que podem ser mães, para os assados, para encostar o umbigo no calor do fogão, sequer reclamando seu direito a uma poesia que as alce de escravas de alguma mãe a mãe...de alguma escrava – mas, enfim, mãe.

Não sei contar quantas histórias o vento, ou o tempo, ou quem mais se encarregue disso, levou como palavras que tenham sido riscadas. MÃE resiste: e é nisso que se fiam os que sentem saudades de aventais, de ovos, de chinelos na mão. Resistindo, resistentes, as mães, estão garantidas outras tantas histórias, com seus amores(-)próprios, substituindo as que foram levadas.

Mãe – não sei, mas é provável que isso me tenha sido soprado – é como ovo: origem de tudo. E mesmo não sendo nenhuma novidade, pode estar aí a continuidade dos filmes ou, ao menos, a continuação de uma antiga história de amor.


sexta-feira, maio 01, 2009

UM RASGO DE LUCIDEZ NESSA MINHA LOUCURA AOS FARRAPOS



roto riu do esfarrapado só porque este, esfarrapado como é, é justamente aquele que vive, aos farrapos, repetitivo, sem alterar sua moda, não atentando aos ciclos que se alternam, prendendo-se a um único círculo, girando sempre em torno dele, repetindo, quando vê dois quaisquer, quaisquer que sejam esses dois, em situação semelhante, sem que um possa, aparentemente, falar do outro, estando um roto e o outro, a seu ver, esfarrapado, digladiando-se para ver quem estar melhor(?) – se é que cabe uma palavra tão boa, aqui.


Com base em tal raciocínio – ainda que, a essa altura, muitos, sempre atuais na moda do pensar (embora não passem de uns repetitivos), estejam a duvidar de que haja, realmente, aqui, um raio de razão –, nessa lucidez que sustenta os argumentos do roto para rir do esfarrapado, também este, por mais que seus farrapos não nos inspirem (a depender do estado dos farrapos, não é nada agradável se os “inspirar”) lá muita confiança, poderá lançar sobre o rosto do roto, originalmente ou só dando o troco, uma sonora gargalhada, mesmo que se possa considerar que há, sim, diferença entre esse roto – coisa até do acaso, nem sempre se percebendo um rasgo na nossa vida cotidiana – e o tal esfarrapado, pois este, se honra o nome que tem, é uma coleção de rasgos, sem que se possa atribuir tantos rasgões a um mero acaso, não se crendo que não tenha se dado conta dessa sucessão de fendas que se abriram em seu traje.


A questão, talvez, seja demasiado sutil. Um roto pode se sentir, mesmo que só carregue consigo um rasgo, completamente esfarrapado, se considerar que isso é um furo em sua moda integral, enquanto que o esfarrapado pode sustentar que é assim por pura filosofia – moda antiquada! – ou porque, ao contrário do que se pensa dele, vive sempre atualizado, conhecendo todos os ciclos da moda, sendo que o da vez não é outro, senão os farrapos em pessoa: e, nesse caso, quem há-de lhe negar elegância?


Costuma-se, com argumentos de justiça, sustentar que uma disputa equilibrada só se dá quando os contendores possuem força semelhante, armas iguais, e nenhum deles conte com uma prévia graça divina que, há muito, independentemente de sua força (ou de sua fraqueza), de suas armas (ou do seu covarde pacifismo), já está destinado a vencer. Assim, nada mais justo do que um roto a falar de um esfarrapado, ainda que os mais puristas, os que levam a (tal) justiça ao extremo – passo seguro para a crueldade –, prefiram que a batalha se dê entre dois rotos, com os mesmos rasgos, ou entre dois esfarrapados, contando estes com farrapos em igual número, se houver alguém disposto a contá-los.


Se alguém, agora, estiver a falar de mim, tomando-me como roto, que olhe para si, e veja se não é roto como eu, ou até, diferentemente de mim, que só sou roto, um esfarrapado – e, ainda por cima, fora de moda. Caso me tome por esfarrapado, ainda que dentro da moda, que se olhe no espelho para constatar se não é, como eu, esfarrapado também, mesmo que com um ou dois farrapos a menos, ou que, se concluir, em relação ao esfarrapado que eu sou, que é um roto, um que traz somente um solitário rasgão, se este não tiver sido percebido, e se estiver num ponto em que deixe mais à mostra, único, do que todos os meus atribuídos farrapos, é esfarrapado sim, apesar de toda a discrição de sua moda de um só rasgão.