uando se quer pôr tudo em pratos limpos, não se considerando, então, que nada há de imoral em pratos sujos, que tal atribuída sujeira não é mais do que a previsível consequência dos pratos, uma vez limpos, que receberam alimento, o repasto que satisfaz (que satisfez) apetites, não se olhando de modo atravessado para essa sua efêmera – por causa do apetite – fartura, diz-se, para se deixar tudo às claras, que é preciso se pôr o preto no branco.
Experiências infantis, ainda que subtons de lembranças pouco resistam, resistindo já precariamente a lembrança das fortes cores primárias, nos mostram no que dá essa mistura: preto mais branco é igual a cinza. Como, aqui, não desejo, porque também eu tenho lá os meus apetites, nem sempre encontrando fartura para os satisfazer, fechar o tempo, pintando nuvens carregadas, preto no branco, assim, não é questão estética, embora tenha-se tornado uma arte a (da) convivência, e não a convivência entre diferentes, quando se tem certeza de que o são, mas, sobretudo, aquela entre, notadamente, semelhantes, em que pese certas idiossincrasias na aparência individual.
A aspiração, legítima, de se “esclarecer” as coisas, sem que isso signifique, necessariamente e a rigor, para além dos mais imediatos limites semânticos, ainda que não se possa fechar os olhos à etimologia mais cândida, um branqueamento artificial da questão, aspiração essa de se colocar o preto no branco pode causar certa apreensão, observável, se não em tremores exuberantemente contestadores, num pigarro que se quer a diplomacia em pessoa, por mais que não seja de bom-tom se pigarrear assim nos salões em que arrastam sua nobreza republicana embaixadores.
Tal hum-hum se torna uma espécie de aviso aos navegantes de primeira viagem, a respeito da inoportunidade de, em pleno banquete em curso, falar-se em pratos limpos, trazendo-se, assim, para a mesa, posta com elegância típica dos grandes salões, mesmo que tudo isso se passe num exíguo espaço de doméstica contenção, mesa ainda repleta de um cardápio que, pela sequência de pratos, dá mostras de aspirar a ser infindável, pratos (já) sujos.
Preto-no-branco, sem que se conheça quem, preto, faça restrições a essa sua primazia, na ordem das coisas, nem de branco que tenha declarado guerra por vir atrás, é um sem-dúvida, tanto quanto pratos limpos são, sem dúvida, mais comumente brancos, uma conversa às claras. E para quem vem insistindo, como eu, aqui, nesses “esclarecimentos”, há de se perguntar onde, afinal, está o cerne dessa questão: no preto, no branco, no preto-no-branco, ou num diplomático e conciliador cinza (com todas as perdas, de uma conciliação, para o preto e para o branco que, assim, são obrigados a abrir mão de parte de si)?
A questão é que, para alguns, não há dúvida: preto há e branco também, não escapando o cinza, aos seus olhos, de também existir; enquanto que para outros não há nada disso, havendo só uma cor única, à qual dão o nome de “homem”, mesmo que isso abra espaço para as mulheres contestarem o fato de, como um cinza, verem-se “desmaiadas”, transfiguradas, de sua cor original (branco, preto, ou qualquer outra cor que seja), num “homem” ao qual se associa, mais facilmente, não o gênero humano, mas, do que há de humano em todos nós, um gênero mais específico.
Para que de uma questão, que sequer foi resolvida, despenquemos, precipício abaixo, numa outra, lembremo-nos da pilha de pratos, sujos, que há a nossa espera. Porque eles sempre existem, quando não na pia – que, apesar desse nome piedoso, raramente está limpa, sendo mesmo sua função reter as sujeiras dos outros –, em algum outro lugar, na forma de dúvidas a serem dirimidas. E com tanto a resolver, para que perdermos tempo com questões de cor?!
Fui claro?!