inha infantilidade, hoje – e não dizer, simplesmente, infantilismo, com receio de que, com esse sufixo-patológico, pensem que sou um “doentinho”, já mostra o quão sou, se não o doente diminutivo que se pode pensar, certamente, um irrecuperável infantil –, é a crônica atrasada de dias que, passados para trás, caído eu no engodo do tempo à frente, permitiam, com benevolência algo impaciente, que não se fosse responsável, sendo que isso era o ideal de todos, o que de melhor se desejava aos infantes, receando mesmo, em alguns casos, que, insistente em suas infantilidades, mais adiante, não se tendo desgarrado convenientemente desses dias, tornasse-se um irresponsável, ou seja, um inconveniente.
O que os responsáveis de hoje não notam, ou para isso viram a cara, não apenas para não enxergarem, mas, e talvez o façam com indisfarçável prazer, para fingirem a pouca importância que gostariam de dar àquilo, é que só é possível fazer a crônica de quaisquer dias, especialmente os infantis, quando, num equilíbrio precário, estreitíssima corda, quase um fio, em que se tem de se manter, tendo-se, de um lado, a infância sobre a qual se atiram os olhos de agora, enquanto que, do outro, esses (mesmos?) olhos, olhando para trás.
Quem, infantil, aventura-se a, já nessa hora, fazer a crônica desses dias, faz, tão-somente, um documento banal, um a mais, entre tantos que são produzidos – e não apenas por mãos infantis. Quem, sem esses olhos de outrora, hoje, crê ser possível, com olhos de um agora que já não olha para trás há muito, acredita que basta tal afastamento no tempo para que, convenientemente responsável, segundo as conveniências sabe-se lá de quem, possa fazer uma crônica adulta, mas, devidamente, temperada com calculados olhos da infância, faz, no máximo – e, admitamos, não é pouco – uma obra de ficção que, por sorte, até pode guardar alguma sincera relação com aquele tempo.
Não prego – na infância, embora prego e martelo exerçam certo fascínio, não nos deixa, com a liberdade com que gostaríamos de fazer isso, tê-los à mão, ao nosso critério (porque o temos, e só os responsáveis, esquecidos de seus outros dias, dizem que não) – que, cedendo às conveniências, com responsabilidade, até mesmo sobre outras infâncias, permaneçamos com um olho infantil e outro pregado no presente, já que, um já ocupado com o passado, manter o único que sobre, quando se tem os dois, no futuro, parece coisa de criança, de não de responsáveis: agir de tal modo seria como querer dormir com um olho aberto e outro fechado, ou ainda os ter assim, durante a vigília – e sabe que isso é coisa mesmo de criança, e ponto.
Se não prego nada, por que, hão de querer saber, já que isso lhes é conveniente, fico, aqui, martelando essa história de contar, em crônica, uma infância enrolada em linhas cruzadas de papagaios (e periquitos) tácitos, aparentemente, deixando-se manietar por mais que, livre e dominadoras, dão-lhes ora impulso, ora lhes nega mais linha: e é aparência, porque há o vento, que não atende a conveniências, que parece irresponsável quando levanta cabelos já assentados na vida, num desalinho quase infantil, e que é o verdadeiro condutor desses dias. E, talvez, ainda dos de agora, embora, responsáveis, prestemos mais atenção aos documentos, e ainda, quando a conveniência exige, um lenço – e já não cantarolamos nada.
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