Só se sabe que uma terra é das maravilhas, quando se veio da realidade: só esta é capaz de emprestar àquela a fantasia que nos enche, quase a nos esquecer de que, uma hora, a fantasia acaba (e o tempo é uma realidade que, enganosamente, apresenta-se como fantasia).
Viver sempre, e simplesmente, com todas as complexidades que lhe são inerentes, na vida real, além de ser um atraso de vida, tendo de contar os minutos para escapar de uma impontualidade, é desconhecer o outro lado, talvez com receio de, indo lá, de lá não mais se retorne, percebendo, intuitivamente – porque, no íntimo, acreditamos que a fantasia é mais saborosa que uma realidade, por mais saborosa que esta, circunstancialmente, como é do caráter de todo real, apresente-se – que o fantástico é um país ao qual se pode ir, depois de uma longa temporada na pátria (do) real, mas cujo (real?) valor só é possível de ser mensurado, se não se fica lá, eternamente, pois, assim, o que era fantasia, contrastando com o real, tornou-se, agora, nossa própria realidade, e, por ironia, passaremos a querer voltar à (nossa) antiga realidade, que tomamos ora como ansiada fantasia, já não suportando o peso de viver na própria fantasia, transformada em cotidiano, com todo o peso de uma rotina real.
Em tudo isso há um grande mistério: saber quanto tempo se pode permanecer na realidade, e quando se deve deixá-la, indo, como se este fosse mesmo nosso destino, mais cedo ou mais tarde, rumo à fantasia mais desregrada; saber quanto tempo se deve ficar na fantasia (embora tanto o tempo quanto o “dever” não façam, na nossa fantasia, parte de um mundo que não seja a nossa realidade), e quando se deve dar adeus a toda essa ilusão, retornando a casa, uma casa que, sendo real, tem cara de casa, e não, como acontece na fantasia, pode ter cara de tudo, até mesmo de casa, desde que essa seja uma “casa de fantasia”.
Se eu conhecesse esse segredo, não creio que pudesse ficar rico, mesmo que isso seja uma fantasia que nos “assalte”, corriqueiramente, em meio aos tropeços de nossa realidade esburacada: e não poderia porque fantasia não é algo que se compre, ainda que haja que se disponha a vendê-la, já que, ao se a comprar, estar-se-á introduzindo o real na fantasia, e isso seria como comprar gato por lebre – personagens, aliás, de uma boa fantasia.
Caso eu conhecesse a solução para tal enigma, daria, a quem quisesse receber, gratuitamente, porque esse doar, de graça, também faz parte, envolvidos num toma-lá-dá-cá diário e cruel, das nossas fantasia, especialmente aquela de, tendo ido desta realidade, possamos ir para uma melhor.
Enquanto só podemos ir á fantasia de quando em vez, vamos lá! Não nos apeguemos demasiado à realidade, da mesma forma que, seduzidos por um gato fantasiado de lebre, evitemos, pondo os pés nessa terra irreal, afundarmos também a cabeça, ainda que muitos crêem, e também eu, que não vale a pena entrar numa fantasia se não for por inteiro – e este pode ser mais outro mistério da nossa vida real.
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