A roubalheira corre solta, e se se percebe que se corre
atrás da roubalheira que corre solta, há uma grande chance, sem que isso seja
nostalgia de uma TV à moda antiga, de que se esteja, então, nessa pressa toda,
não se medindo, entretanto, esforços para se alcançar o objetivo, não no
encalço dela, para se lhe interpor um obstáculo, e, quem sabe, pôr,
definitivamente, um ponto final nessa sua corrida desenfreada, mas é bem
possível que se queira tirar proveito da própria roubalheira, quer dizer, dela
em si, pois ainda não é própria, e quando vier a ser, deixará, num sofisma
fácil, de ser o que sempre fora, roubalheira, passando, como que por efeito da
ação de um prestidigitador, a uma chance, tão grande, que a deixar passar, sem lançar
mãos sobre ela, mesmo que assim se esteja manipulando a coisa alheia, torna-se
atestado de burrice: e, nesse caso, é de se pensar se, atribuindo-se atitude
semelhante aos burros, se não são eles, podendo correr mais do que os homens,
preferencialmente, à solta, sinal de pouco ou ainda nenhuma domesticação, bem
melhores do que nós.
Não que os burros não
lancem – não posso, aqui, para não forçar a mão na retórica, falar, em se
tratando de burros, de mãos, não ficando bem, porém, falar em patas, pelo tom
pejorativo, ainda que natural para os burros, que isso assume – olhos sobre o
que, de direito, pode não lhes pertencer, embora, aí, possam, se não fossem tão
burros, se fossem mais ladinos, como somos nós, do argumento, premissa do
direito, de se é inocente, até surgirem as provas em contrário, contundentes
como elas só: mas, o advogado da outra parte, a parte supostamente roubada, e
que vive sua própria correria solta (e não digo que atrás de uma roubalheira,
porque não tenho provas definitivas a esse respeito), pode lançar mão, e nem
precisa ser um advogado dos mais inteligentes, do pressuposto jurídico de que
não se pode argüir a inocência de alguém com base na sua ignorância...da lei –
e, nisso, os burros levam (mais uma) desvantagem.
Deixemo-los, ora, de
lado; deixemo-los pastar, sem que os tenhamos, com ênfase irônica, mandado que
eles o fossem; deixemos que busquem, por onde encontrarem, o que comer, comendo
mesmo capim pela raiz, sem que isso signifique sua morte, significando mesmo
uma sobrevida, ainda que, por instinto, tenham adentrado, por ignorarem leis em
contrário, terrenos alheios, cercados por uma série de leis que funcionam,
mesmo quando as áreas estão livres de cercas visíveis, como verdadeiros arames
farpados. Enquanto eles se refestelam – e há, aqui, certa impropriedade,
considerando que, burros que são, comem o que precisam, comem daquilo que
circunstancialmente dispõem, sem desejos pessoais, sem idiossincrasias de gosto
–, paradinhos, com um tanto de capim, alimento dos mais “naturais”, ainda que,
eventualmente, capim-gordura, fiquemos nós a discutir a melhor maneira de,
correndo solta, sem que alguém consiga parar com isso, tirar proveito de tanta
roubalheira, talvez, coisa de que nenhum burro (que se preze como tal) é capaz,
universalizando a roubalheira para assim estendermos um direito particular para
nós também, sem, contudo, nesse instante, mais concentrado em tirarmos proveito
pessoal, observarmos que acabamos de abrir grave precedente – como se
houvéssemos rompido a cerca de arame, sem nos importarmos com suas farpas –, na
medida em que, tornando de todos o que era de uns poucos, passando, nós, a ter
direito sobre a roubalheira, estaremos nos fazendo de (legítimos?)
proprietário, portanto, um prato cheio para outros, que também correm atrás,
valendo-se do mesmo direito.
Está, então,
instaurado o caos. Isso, é de se prever, dirá não um burro, que, para si, basta
haver capim, mesmo sem gordura apetitosa, sem outros temperos, sequer exigindo
que esteja novinho em folha (de grama), e sim um homem que, por não ter forças,
seja para correr, seja para superar antigas morais (de TV?), maldiz toda essa
roubalheira, vendo, aí, sua grande
chance de, alheio ao crime feito lei, insiste na lei, não entendendo como, de
uma hora para outra, está sendo acusado de infringir a ordem.
Quem mandou ser
burro?! Ou melhor, quem mandou não sê-lo?!
CHICO VIVAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário