Intolerância é um filme que estamos “cansados” de ver, a ponto de, diante de mais uma de suas exibições (em geral, não há intolerância discreta, silenciosa, mas, ao contrário, como se isso fosse mesmo uma parte indissociável de si, ela insiste em se fazer notar, em se fazer escutar), nós mesmos, com o argumento sedutor de não pactuarmos mais com ela, demonstramos, sem a percepção imediata disso, nossa própria intolerância, a menos que, num cálculo que carece de prova, se considere que uma intolerância dirigida contra outra anule esta, não se esclarecendo então o que se faz daquela (da nossa) que sobra de toda essa questão, tal qual a intolerância de antes, só por mirar a de outros, pudesse ser chamada com qualquer outro nome, por exemplo, “corajoso combate à intolerância”.
Muito desse filme que já vimos nos chega num estado de aparente descanso, presas fáceis, em poltronas ou sofás cuja maciez pouco ergonômica nos dá a ilusão de amortecimento contra os choques da realidade, de discursos que, na forma, se constituem em (quase) impecáveis peças de oratória (mesmo que demagógicas: porque a demagogia exige certo talento para se puxar os fios corretos que (nos) manipulam – pela emoção, barata que seja), mas que, como um bônus(?) que vem junto, a nossa própria revelia, sem poder ser vendido separadamente, com os sentimentos sinceros de justiça, carregam consigo as sementes da intolerância.
Poucos, é verdade, hão de ter assistido à Intolerância. Entre estes (poucos), os mais desavisados devem ter-se afundado no sofá, ainda que em um nada macio (seja por preocupação ergonômica, seja porque, com o tempo, ele perdeu mesmo sua original maciez, com prazo de validade improrrogável), cedendo às horas de (tanta) Intolerância, de um passar de épocas por vezes confuso, por vezes com referências que não nos são mais corriqueiras em tempos em que nossa memória só registra a História de algumas horas atrás, ficando tudo o mais relegado como matéria-prima de desbravadores de antiguidades.
Forçar alguém a ver esse filme, contra sua vontade, apesar dos muitos prós que agem a seu favor, seria intolerância. Não se dar o direito a alguém de pensar livremente, sem temor do quando (desde que em pensamento ainda) isso pode ir de encontro aos princípios de civilidade (que mudam; que nem sempre são honestos, muitas vezes impostos com outros interesses), mesmo que pareçam pensamentos eivados de intolerância, não a evita, talvez mesmo, silenciosamente, com a falsa crença de termos matado a tempo uma intolerância em progresso, alimente-a, fortificando-a, até que, sem mais controle, ela surja, exibindo-se toda, falando alto (o barulho é motivo de muita intolerância, tanto por parte de quem o produz, que não vê (ou escuta) nisso nada de desagradável, quanto por quem é obrigado a, contra sua vontade, escutar), sem que possamos dizer que se cale, inclusive por medo de nos mostrarmos intolerantes ou por temor do que ela é capaz, se se voltar contra nós, para extremo gozo dela, cada vez mais dona de si.
CHICO VIVAS
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