e vidro, frágil assim, mesmo que deste haja aqueles que, de tão fortes, parecem mais ser feitos de aço, mas, ainda assim, são o que são, e são (de) vidro(s), sim: então, é que são, assim, derrubadas, uma a uma, nessa fileira de dominós perfilados pela arte e paciência (talvez a única arte aí seja somente a paciência em se ordenar tantas pedras, nenhuma fundamental), as utilidades do homem neste mundo, e que, apesar do seu cultuado brio de espécie evoluída, longe já as primitivas esponjas, espongiários que formam um estágio entre a célula única e os nossos tecidos variados, utilidades que nem devem chegar a mil – e mil e uma já é conta de mentirosa, ou pelo menos de mulher fingida, Sherazade que todo homem crê que elas sejam, mais noite, menos dia.
E a utilidade, se pudermos chamá-la assim, derradeira, verdadeira salvadora da honra e orgulho masculinos, são as tampas de vidros de conserva - ou melhor, útil aí um homem só para destampá-los, às vezes, empregando uma força desnecessária para o ato, embora indispensável para valorizar a mão-de-obra empregada nessa abertura.
Mas, até isso vem caindo por terra (tendo-se de escutar, o resto do dia, as imprecações pelos estilhaços espalhados com uma queda, além daqueles outros, de vidros que nem vinham ao caso, por se ter lançado à cara da reclamante que, se era para abrir o tal vidro, ei-lo aberto, espatifado no chão). Em nome de uma maior praticidade, com um mecanismo inteligente, que está à altura da fêmea, de regra, menores que os homens, tantas ainda, apesar de partilharem, biologicamente, da mesma espécie, ainda na fase das esponjas domésticas, mesmo quando esta não é a etapa principal das suas mil e uma atividades, deixam-se os vasilhames de vidro para trás, provocando um súbito desemprego da mão (de obra) masculina, hábil em torções de tampa, trocando-se-os, homens, agora, por uma latinha (ainda por cima, reciclável, como os homens não são, o que enche os olhos das responsabilidades-de-alumínio, leves, por sua natureza descartável), lata que sequer tem tampa, tampa de enrosco, tendo apenas, como um compromisso com a modernidade traduzida não na independência da cozinha, mas em menos tempo nesse ambiente, um anel metálico, coisa de valor desprezível no comércio próspero de quinquilharias, especialmente para quem tem ambições (mais) “brilhantes”, anel que se deve, com o dedo, levantar, com o risco de se quebrar a unha, nas mulheres que as mantêm alongadas, o que, por si, já é um risco para qualquer homem que se preze, embora haja muitos que prezes justamente as unhas, como tatuagem fugaz a provar, quase sempre por trás, sua masculinidade estoica.
Reajam, homens! Agarrem-se ao que lhes resta e façam disso o (seu) diferencial. Apregoem os perigos dos anéis e semeiem desconfiança em tudo que se abre com tanta facilidade. Alardeiem ainda as qualidades (algumas tão transparentemente óbvias, que só se deve mencioná-las a quem não evoluiu o suficiente nessa nossa escala(da)) do vidro, falando em proveito próprio, em seu aproveitamento posterior àquele esvaziamento a que estão destinadas todas as embalagens de vidro, numa mostra, gramatical, de que, sendo masculino (não digamos macho porque há no mercado vidros frágeis demais, a ponto de comprometerem a verificação da verdade, até mesmo com critérios rigorosamente científicos), o vidro tem muitas utilidades, não se esgotando, elas, mesmo que não cheguem a mil, na ereção de um anel de latão sobre o qual sequer se jurou amor eterno, mesmo que juras assim sejam, entre as juras, uma promessa tão nobre, quanto os anéis da tampa das latinhas.
Não se deixem, homens, levar pelas histórias delas, na cama, todo santo dia, a mesma ladainha, de que suas mãos estão em petição de miséria, tudo por causa da esponja de aço – e por um dá cá aquela palha (que, afinal, sou quase do tempo das mil e uma noites, ainda que nada fantástico), elas choram misérias, capazes como são de acabar até com nervos de aço. Aí, o jeito é ser “esponja”: utilidade primeira de todo macho que se preza.
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