anhar no grito, acreditem (ACREDITEM!!!), já foi, um dia, civilizado. Aliás, aí está o começo da (nossa) civilização política. Naquela Grécia, menos berço da democracia do que manjedoura, em que pese a contradição pagã, da nossa fantasia de igualdade, de povo, de poder, naquela mesma Grécia em que democracia não era para o povo, sendo, antes, para os melhores, numa aristocracia, ou para alguns poucos, numa oligarquia, ou para os que podiam pagar (por ela), numa plutocracia, aprendia-se, desde cedo, sob a orientação de um legítimo cidadão, ainda efebo então (e deixaremos de lado outras “orientações”, por mais historicamente pertinentes), a arte da oratória, da retórica, a arte de se sofismar, a arte, enfim, de ser fazer ouvido, quando as questões centrais eram discutidas na Ágora, com todos querendo falar, quando se podia ganhar (ou perder) no grito.
Hoje, tão mais civilizados, ainda lutando com uma democracia que insiste em não se levantar do berço, ora preferindo os braços polpudos dos plutocratas, ora os afagos poucos, mas concentrados, dos oligarcas, ou a glória de ser embalada pelos (melhores) aristocratas, vencer “no berro” é lançar mão, rápido no gatilho, de uma arma cada vez mais perigosa, e não por um aumento no seu poder de fogo, mas por estarem nas mãos de poucos, espécie de oligarcas que não aspiram a ser os melhores, embora isso possa fazer bem a sua vaidade, mas preferem ser plutocratas, porque sabem, como se herdeiros da mais genuína lógica formal (também nascida na Grécia), que com dinheiro podem passar pelos melhores, comprando votos, se preciso for, ou forçando a venda da aceitação alheia, no berro e no grito, não se sabendo, a essa altura, o que mais intimida, se o “berro” em silêncio, ou se um grito de verdade, mesmo que o “berro” seja de mentirinha.
Naquela Grécia, vivia-se como civilizado(s), ainda que esse conceito de civilização, hoje, nos surja tão elitista (termo tão caro aos democratas que se creem melhores só por se juntarem, circunstancialmente, ao povo), vencendo no grito. Agora, no berro, sequer se pode morrer assim, civilizadamente: e talvez esteja aí nossa mais profunda experiência democrática, na medida em que, morrendo-se assim, junta-se, na mesma vala-comum (ressalvado o velório diferenciado), o democrata genuíno, o plutocrata descuidado, o aristocrata que, pela primeira vez, vai conhecer o pior dos mundos, e o oligarca que, de tão assim, sempre andando com poucos, viu-se encurralado numa luta numericamente desigual.
Agora, a Ágora é um lugar distante, sempre muito longe, por mais que, no mapa, esteja nas proximidades. O lugar das decisões é projetado com isolamento acústico para que só se escutem os “berros” de dentro, onde não entram os gritos de fora: e quando, por descuido da segurança, entra, aí, um “berro” que não seja de um dos de dentro, o alarme soa, como um grito geral, mas, como sabe todo aquele que, um dia, já se espantou com o soar repentino de um alarme, crendo na promessa de sua duração, ele, uma hora, e isso costuma ser logo, cessa, calando os gritos de fora, voltando tudo aos mornos berros de dentro, que sequer são filosóficos, não passando, na maioria (e a minoria não faz diferente), de uns artistas que torcem e retorcem a lógica, como se construíssem, assim, uma nova civilização em que o povo é somente um aspecto formal, sem o qual sua teoria ideal não se sustenta.
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