ma obra monumental não tem de ser, necessariamente, uma enorme pirâmide, até porque, eternas como algumas se mostram, apesar dos evidentes sinais do tempo, curiosamente, revelando, vez ou outra, à força da perscrutadora mão do homem, em pesquisas com desculpa das mais cientificas, os restos (mortais) de quem, um dia, creu-se tão monumental, feito, no entanto, de carne – com os prazeres e os desgostos que isso acarreta, mesmo que não se experimente, durante toda a vida, por mais longe que ela seja, uma carreta de prazeres, ou de desgostos – e ossos, que esperava, admirando-se como um colosso em vida, sobreviver às pedras piramidais sob as quais ficaria, “provisoriamente”, soterrado.
São tais obras, é preciso admitir, colossos da imaginação humana que não podemos negar que sejam, anacrônicas, seja porque o ideal, agora, é ser, citando o poeta, com sugerida intimidade algo suspeita, eterno só enquanto dure...a carne (com seus prazeres, afastados, se possível, os desgostos, embora, sem estes e (só) com aqueles, que vida seria essa?!), enquanto durem os ossos, de pouco valendo uma intrincada engenharia que submete, com seu peso de toneladas geométricas, o próprio tamanho do homem que as concebeu, tido, então, como divino ou por mera força retórica ou por uma exigência hierática, hierárquica, já que não seria dos atos mais prudentes (e a imprudência, assim como a impudência, é ato, tipicamente, humano) ir contra às vontades do faraó, com força expressiva, mesmo embalsamado, para manter sua realeza.
Obra monumental pode ser, simplesmente, uma ponte: e nem falo, aqui, de uma de pedra, que custa, como se pirâmide fosse, tamanho esforço, trabalho de tantos homens, porque esta, por mais simples, envolve sempre sua própria complexidade, algo até bastante chão para quem lida, cotidianamente, com isso, mas aproximando-se, perigosamente, do inextricável para quem faz de sua lida diária só uma sucessão de rotinas, um cotidiano ultrapassar das horas, sem se envolver em cálculos demasiados, essas mesmas contas que emprestam, aos olhos de alguns (que também se conta com os olhos, desde que a quantidade não seja lá essas coisas), uma postura de firmeza, ainda quando se esteja calculando uma colossal fornalha doméstica, devendo, segundo os cálculos visuais, caber na cozinha.
Observar uma obra, visivelmente, grande é de encher os olhos, tendo-se, às vezes, que se a olhar aos pedaços, por não caber, de uma só vez, inteira, nesses mesmos olhos. Obras, aparentemente, diminutas – e não é preciso repetir, em um caso (aquele), como no outro (neste, agora), os quanto os olhos se enganam – exigem muito do olhar, embora muitos olhares desprezem-nas, por serem tão pequenas, crendo que, por isso, não são importantes, havendo, porém, o que pode ser, igualmente, mais uma ilusão do olhar, quem atribua ao caráter microscópico de uma obra sua real importância, tomando, então, seu valor não pelo que dela pode ver, mas pelo que, não enxergando, intui ser um trompe l’oeil: ah! as ilusões!
Somos, aos nossos próprios olhos, ora os faraós, olhando de cima obras pequenas, só para, nessa perspectiva, emprestar-lhes algum valor, uma importância de que outros olhos não se dão conta (porque, provavelmente, estão mais interessados em suas próprias obras, em suas próprias ilusões), ora os mais reles operários, sem ilusão de vir a ter seu nome escrito na História, entrando para esta sob a rubrica confusa de uma generalidade impessoal. Seja como for, as obras que deixamos – reais ou a mais pura das ilusões: e uma grande ilusão pode ser a obra da nossa vida – só são grandes ou desprezíveis aos olhos de quem as vê. E o um dos maiores mistérios da alma do homem é porque insiste (porque insistimos) tanto em ver suas obras pelo olhar do outro, um outro tão de carne e osso, quanto nós.
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