Quem “tem tempo”
suficiente para isso e não é, exclusivamente, de um tempo em que a tecnologia
digital se entrega a nós, cobrando seu preço, com a promessa de não falhar
(quando falha, ou tudo é muito rápido, a mais de 24 quadros por segundo, ou sai
mais em conta trocá-la), talvez se recorde de alguma experiência “às escuras”:
enquanto a vida corria solta na tela, com suficiente realismo para nos
envolver, mesmo quando era uma delirante fantasia, tudo ia bem, até que, por imperícia
humana ou por defeito do filme (que pode ter sido causado pela mesma imperícia ou
por seu natural desgaste), algo se dissolvia, fenômeno ampliado na tela gigante,
emudecendo-nos a princípio, fazendo-nos, depois, irritados com a interrupção,
soltar a voz, aproveitando-nos do anonimato da sala ainda apagada.
Ninguém, então, se
afundaria na poltrona para fazer disso uma metáfora da instabilidade da vida: a
vida vai correndo bem, ou já nos acostumamos à vida que corre a ponto de tomá-la
por uma que corre bem; de repente (por imperícia nossa, eventualmente uma
alheia a nós, mas, sobretudo, porque esse material de que somos feitos é mesmo precário),
tudo se dissolve. E quem dera que Shakespeare fosse nosso Criador e, assim, de
acordo com suas “escrituras”, fôssemos feitos de sonhos: porque até os sonhos
devem ser mais resistentes, em sua fugidia eternidade, do que esse material que
nos dá forma – quase sempre, uma forma aquém dos nossos desejos de perfeição.
O filme, dissolvida a
fita, deixou um borrão na tela. No entanto, passado o pasmo silencioso do
choque inicial, mesmo ainda tão inundados por uma escuridão protetora, as vozes
não se levantam em coro de reclamações, quem sabe se porque cada um (de nós),
ao seu próprio modo, percebeu que o silêncio é a única flor possível de ser
lançada sobre esse fim inesperado.
Em silêncio, saímos todos.
A sala, de novo, se pinta com a falta de luz que, curiosamente, é o que lhe dá
vida. Os filmes, em sua versão antiga, precários, ou em sua versão pretensiosamente
moderna, precários ainda assim, hão de continuar. Afinal, a vida, bem ou não,
tem mesmo de correr.
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