Agora é que eu quero
ver!
Faço-me madrasta de
mim mesmo e pergunto-me: espelho, espelho meu... Mas, antes de formular,
definitivamente, a questão, ele, antecipando-se, como se se passasse, então,
por um retrovisor do por(-)vir, não passando, na verdade (e isso ele talvez não
queira enxergar) de nada mais que uma superfície plana com uma face polida –
mas, que ninguém se engane com isso, pois em sua outra face, o verso está
sempre opaco, querendo já me dar a resposta para o que lhe perguntei, querendo,
esnobe, que eu o acredite como uma nova versão oracular, limitadíssimo em sua
função especular por uma antiquada moldura oval, longe, assim, de uma original
forma triangular, bem mais próxima da cadeira pítica.
Antes, porém, que ele
vá adiante, encaro-o com firmeza, olhando(-o) nos olhos (não que eu creia muito
nesse artifício, mas dizem que é uma boa técnica, quando se quer se impor) e o
faço entender que não preciso dele para autenticar minha beleza(?), nem para saber
que isso não me é atributo exclusivo, nem quero, apelando, como se caísse em
sua armadilha, consultar-lhe acerca do futuro: por que, afinal, quereria eu
saber do porvir, se sequer me sinto à vontade para flexionar o verbo ver (que
ele, espelho meu, tanto conhece) no futuro do subjuntivo, ora para não parecer
pedante demais com essa forma tão estranha a nossa língua coloquial, ora para
não confundir o ver com o chegar, esse “vir” para cá, chegando até, se disser
que “o(u)vi, aumentando a confusão ao introduzir, já tendo posto aí a visão, um
novo sentido, a audição, numa polissemia da qual não se entende mais nada, não
tanto por essa sua multiplicidade de sentidos, mas por uma profunda carência de
significado.
O que quero dele é
presente – e não o quero embalado sempre para festa, pois raramente eu próprio
estou vestido assim e, portanto, saber-me permanentemente ataviado para
presente implicaria no descrédito total desse espelho, espelho meu.
Não entendendo nada
do que lhe disse, o espelho baixa os olhos, tal qual se se sentisse magoado por
minha falta de apelos a sua ironia estética ou aos seus auto-atribuídos poderes
de adivinho, quando sabemos que ele é tão-somente um “reprodutor”, forçando-me
também, numa simultaneidade constrangedora, também a baixar os meus, e não por
uma sincera solidariedade por seus sentimentos, por suas feridas abertas, mas
porque somos, eu e ele, um a imagem do outro, não se definindo, assim, de uma
olhadela só, quem é (o) real, e quem (o) virtual, se é ele que depende dos meus
movimentos nesta vida cheia de especulações ou se sou eu, sempre com nariz em
pé por me considerar o dominador nessa fantasia em que os espelho não estão no
teto, que sou o mero reflexo de suas vontades próprias, vontade de especular a
respeito da beleza, a respeito do futuro, a respeito do futuro da beleza e até
dos presentes que esperamos, ambos, ganhar.
Quem resiste tanto
tempo com os olhos pregados no chão, aparentemente, em atitude submissa, um
Tartufo de tão pouco confiável (embora essa personagem, durante tanto tempo,
tivesse a seu crédito a confiança de muitos), e não os alça, quando menos para
ver o resultado dessas suas manhas, desses seus artifícios, querendo, assim,
confirmar que, enfim, conseguiu nos tocar?!
No entanto, ao ceder
à tentação de rir do tolo à sua frente, levantando os olhos, o que encontra são
os meus, cravados nos seus, como se sempre tivessem estado assim e jamais se
tenham baixado – coisa que o espelho há de saber. Numa reação natural ao que
percebe como uma virtual derrota (ainda não a aceita como real), na iminência
de me ver (como) vencedor, lança mão do seu maior trunfo e, simbolista,
alegórico até esse momento, faz-se, repentinamente, um inconformado realista,
que não se conforma em sê-lo (para si), mas quer mostrar o mundo como ele é,
sem fantasias. E, atendendo às minhas ordens, exibe-me o presente, sem
retoques, tão sem concessões, que chega a ser surreal.
Livrar-nos dos
espelhos não é solução que se deva considerar, já que se os escondermos, nem
por isso eles abandonarão sua eterna especulação – apenas, não mais os veremos,
ainda que saibamos, até, ao menos, que venhamos a os esquecer, onde os achar; e
se os quebrarmos, azar o nosso, e por sete anos. Como se fosse feito de
mercúrio, os espelho se desfazem, quando espatifados, em muitos (outros),
multiplicando-se, ao contrário do que desejávamos, aumentando, portanto, o que
tanto desejávamos acabar, de uma vez por todas. Corrompê-los, enfim, é o que
(nos) resta, acenando-lhes com moldura nova, lugar de destaque, iluminação sob
encomenda e que ressalte sua face polida, mantendo escondida sua face opaca, e
até, chegando ao cúmulo das concessões, permitindo-lhe, mesmo que não creiamos
nisso, que ele faça suas adivinhações, pondo-se a prever o futuro, com
especulações, quem sabe, sobre o fim da beleza, desde que os espelhos fiquem
“do nosso lado”.
CHICO VIVAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário