Por que sair da
segurança daquele apoio, embora, “a meu ver”, tão em cima do muro, para se
lançar num mergulho nada a dentro?
É certo que esse nada
é só o hábito de chamar assim ao que, cheio de ar, não vemos. A resposta eu não
sei dar, mas sei que ao ver aquilo, meus olhos, tão humanos nessa antevidência
de catástrofes, antecipam em si mesmos, estilhaçando-se, o impacto do,
aparentemente frágil, corpo do pássaro ao deixar sua base, tão segura para mim,
onde já não encontrava alimento, para experimentar (o que eu chamo de aventura
radical) esse voo abaixo.
Mas, antes de,
correspondendo às expectativas deste observador de atos demasiado cotidianos em
sua vida de ave, dar de encontro com o chão duro, realidade concreta aos pés
dos homens que não alcançam verdades além de onde têm os pés no chão ou onde,
nas alturas, sequer aves radicais se aventuram, a ave passou, riscando o solo,
num voo rasante, sem aterrissagem de emergência, emendando uma nova decolagem,
talvez já com olhos em alimentos que os meus jamais adivinhariam.
Ido o pássaro, ficam
esses meus olhos, agora já sem objeto definido para observar, buscando o que
falta ao olhar humano que o faça arriscar-se assim, mesmo que tal “risco” seja
uma perspectiva nossa e não do pássaro, para o qual, aliás, se for possível
emendar a história com esse pensamento, os nossos é que despertam aos seus
olhos dúvidas sem respostas por ficarem onde estão, somente porque é plano e
porque é chão, salvo experiências esportivas que tentam, só em alguns, recuperar
esse fôlego para aventuras sem o pé no chão, mesmo que o alimento tão desejado
esteja justamente num voo arriscado.
Dizer que não fomos
projetados para isso, que temos meios de conseguir, com maior facilidade, os
alimentos, e que nosso projeto talvez seja desenhar aviões baseados na natural
aerodinâmica dos pássaros, copiando algo de sua natureza, pode até ser a mais
honesta verdade (aos olhos humanos), mas deixa, como aviões a jato, um rastro
de fumaça atrás de si, pistas de que é por aí que se pode puxar as
imperfeições, sem culpar o projetista do homem, uma série de defeitos que só
aparecem quando o protótipo multiplicado entra em ação, já que no desenho (do
mundo) tudo está ajustado à perfeição: e a maior de todas elas, nessa sequência
de características imperfeitas, é a comparação.
E ai, se todas elas
se restringissem a comparar os (nossos) pés no chão, apegando-nos a essa ilusão
de solidão, com o voo de um passarinho, sem a consciência de que ele foi
preparado para esse esporte, direto no solo, sem que nossos cálculos tão exatos
nos livrem de lhe antecipar um choque fatal!
Não! A maior das
imperfeições que trazemos, atavicamente presos a ela, é a comparação com outros
de nós mesmos, seja no que tal semelhante tem de ave, nos seus mergulhos arriscados
aos quais emprestamos heroica coragem e que, para sua natureza, ainda que
humanos como nós, pode não passar de um esporte radical, seja no que tal homem
tem de semelhante a nós, mas superando-o (para não termos de admitir que “nos
superou”), com decolagens arriscadas que deixam gravadas no céu, não importando
a duração disso, as pistas de que tão alto se elevou, ou com mergulho não menos
isento de perigos, sem pistas visíveis agora, mas com uma história que o segue
por onde for – e nós, como se atraídos pelo que não temos (ou somos), seguindo
tais histórias de aves que não se espatifam, apesar do chão tão duro a sua
espera e de histórias de homens que mais inteiro ficam (e sob certa
perspectiva, íntegros também) a cada risco superado.
Somos o que somos – e
quem sabe se não o somos tão-somente para a distração de famintos por humanas
imperfeições?!
CHICO VIVAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário