...E assim caminha a
humanidade: e isto, se não é uma constatação óbvia, é, certamente, a melhor
hipótese para se saborear na própria língua o gosto do vernáculo, ao traduzir
um insípido título me inglês.
“Giant”, muito
pequeno para uma gigantesca história. Os gigantes, com o tempo, ficaram
confinados às histórias de ficção. Na nossa, longe de estarem isentas de suas
próprias (e das nossas) mentiras, somos ora grandes e poderosos como gigantes
sobre-humanos, ora de uma humanidade que nos coloca no nosso lugar – e
companhia é o que não falta.
Quando há companhia,
se se gosta dela, ou se, simplesmente, ela nos convém, procria-se, dando mais
um passo essa (nossa) humanidade que não pára de caminhar. Ao vir a cria, à luz
do dia, ou num ambiente tão anestesiado das dores da realidade, que não se sabe
se é noite ou mesmo meio-dia, pensa-se: será um gigante quando crescer?
crescerá forte? poderá ser poderoso, mesmo que não venha a ser gigante(sco)?
será que se manterá humano, mesmo se poderoso? e ser crescer muito, superará
sua (própria) humanidade, indo tão mais alto, que, sobrevoando-a, olhará de
cima a chá humanidade?
Em meio a todas essas
questões, a cria cresce, sabe-se lá quanto, quase a ponto de já poder procriar
por si própria, tão cria que era há tão pouco tempo, tomando, assim, a si a
tarefa de repensar, sem chegar a novas conclusões, aquelas mesmas perguntas,
sempre iguais, ao longo da história das humanas criaturas.
Na ficção, pode-se,
criador, manipular suas crias, embora alguns autores digam que, a certa altura,
são dominados por elas, que, se querem, até procriam, à revelia dos seus
criadores, antes mesmo da hora dessa cria poder dar cria, criando, desse modo,
além de uma humanidade precoce, um problema a mais para se juntar àquelas
(outras) questões: crescerá? será gigante ou não? poderoso nos céus ou um
fracasso no chão?
Quando a cria dá
cria, mesmo que seja ela mesma uma cria ainda, ainda em tempo de crescimento,
sendo então somente uma criaturinha (uma criaturazinha), sem que se saiba,
portanto, se já atingiu a altura final ou se há de crescer ainda mais,
sente-se, assim, desligada do seu criador, por ser agora autor(a) de suas
próprias histórias.
Esses vínculos que se
rompem também fazem parte do caminhar da humanidade. Por mais controle que se
exerça sobre a natalidade, sobre os gastos, potencialmente, ilimitados, ao
menos durante o natal, isso não põe freio à humanidade, que sempre encontra um
meio de caminhar, porque, para ela, e nós aí nesse meio, não importa a
quantidade de crias de uma criatura ou de um conjunto delas, bastando que uma
cria dê cria para que isso seja o passo que faltava à história.
Para a (nossa)
história individual, pessoal para cada criador, um só passo pode ser como a
descoberta de um nome mundo. para a história coletiva, social, um único passo
parece exageradamente pouco, mas, mesmo assim, basta! Às vezes, quando a cria
já se crê emancipada, só porque sua biologia lhe avisa que já pode dar suas
próprias crias, aquela criatura que a criou até desejaria dar mais crias,
procriar só para renovar esses laços que o caminhar de cada um vai, aos poucos,
afrouxando, por mais atados, criadores, às suas crias: é a assustadora fantasia
que enche a cabeça de algumas criaturas, e não com criaturas assustadoras, mas
com a independência da cria.
Mas, aí, ou a
biologia diz que essa vontade é tardia, que o relógio já bateu a hora de parar,
e não é de agora, ou se atende à razão, que diz que é preciso manter a
natalidade muito bem controlada, sob o risco, iminente e coletivo, de um desejo
individual levar a humanidade toda a um tal estado de aglomeração, que não
restará mais espaço sequer para se dar um só passo. E é sabido que sem andar a
humanidade, a história para, como uma criatura que tem de parar de procriar
antes da hora – e para a história essa hora não tem vez.
Aprende-se, cedo até,
quando ainda se é uma “cria demais” para isso entender, que se deve amar a
humanidade, por inteiro, sem escolher, portanto, essa ou aquela criatura,
especificamente. Vá lá! Mas, eis que chega uma cria, criada segundo as próprias
ficções pessoais, e como, então, é que se consegue amar todos do mesmo jeito,
com aquela cria ali, saída da nossa fantasia (e isso não é eufemismo), mesmo
que a experiência já nos tenha demonstrado, por crias anteriores, que esses
fios que atam criador a sua cria são cortados no dia em que se dá um passo,
mais outro, e logo já se vê o que, há tão pouco, era só (mais) uma cria, agora,
já criando suas próprias fantasias; fantasias estas que podem, num dia,
contemplar gigantes extra-humanos e, num outro, como se a humanidade deixasse
de caminhar para saltar, indo aos pulos, já vive a espera de sua cria, assim,
cria da cria, e esta uma cria também de quem, por mais criativo, foi cria, num
retrocesso(!) da história que, a se lhe dar linha, chegará à primeira cria, e
esta há de levar ao primeiro criador, o que procria, como num passe de mágica –
pura fantasia!
Incriado, esse
criador primeiro, não faz parte da (nossa) humanidade. Nós, sim, fazemos parte
dessa enorme companhia, em que uns crescerão, em que outros permanecerão
anônimos, por mais nobres que sejam suas ações, valendo-se justamente destas
para viver, como se elas é que, criaturas sem terem criado, suas próprias
crias.
Se é certo, se é errado,
não sei. É assim que a humanidade caminha. E raramente damos de cara com Liz
Taylor, Rock Hudson, James Dean...
CHICO VIVAS
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