Vagando, ao contrário do que intimamente esperasse, embora
não o trouxesse à consciência, talvez para evitar frustrações, como se assim,
encontrando-o, tomasse isso como uma surpresa, se não, não tendo
(conscientemente) criado expectativas, nada sofresse (ainda que tantas dores se
alojem em vãos do inconsciente, à espera – elas também! – de uma oportunidade
para escaparem dali), não me deparei, em todo o caminho, e olha que andei
bastante, provavelmente, sem “saber” disso, para criar as tais oportunidades,
vendo que não dava de cara com o que, no íntimo, aguardava que surgisse a minha
frente, com um vagabundo, nenhum tão especial, saído de alguma poesia,
igualmente “vagabundo”, sem que com isso esteja pronunciado um juízo de mérito,
antes pretendendo citar certo gênero de lirismo vagante, bastando-me, isso eu
me dizia, mas sem palavras, pois sabe-se o quanto a expressão verbal exige mais
da consciência, enquanto que símbolos, não a substituindo, expressa-a
igualmente, não recorrendo a palavras, me bater, sem intenção declarada de me
envolver num duelo (esse anacronismo com halo permanente de lirismo), com um
vagabundo, um andarilho qualquer, alguém que, simplesmente, vague; que vague,
simplesmente, por vagar, sem fazer desses seus passos aleatórios um caminhar de
caso pensado, na expectativa também ele, vagabundo-em-símbolo, de dar de cara
com alguém que, não tendo posto a mão na própria consciência, vai ao seu
encontro, estabelecendo, desse modo, uma necessidade recíproca de se verem, frente
a frente.
Eu cá comigo pensava
(o que mostra que não sou tão sem consciência como eu mesmo gosto de pensar)
que me seria suficiente encontrá-lo, dispensando mesmo um olhar diretamente em
seus olhos (como se aí estivesse guardado o segredo de uma poesia,
desmascarando, assim, esse meu lirismo vago), passando a seu lado, num roçar de
ombros insuficiente para provocar qualquer arrepio, e só chamado contato físico
por um desses exageros que as palavras nos permitem.
Não posso dizer que,
durante toda essa minha caminhada, e que não durou pouco, estive sempre sozinho
pelas estradas: não! Deparei-me com diversas pessoas, às quais dirigi meu
olhar, sempre de lado, o mais discretamente possível, para identificar em cada
uma delas o vagabundo que, enfim, eu procurava – e, como já se sabe, todas as
tentativas foram, para mim, frustradas, frustrantes. Explicar, aqui, o que eu
realmente buscava, o que caracterizava tão de perto um vagabundo, a ponto de,
só de olhar, só com um olhar que sequer era direto, apenas um soslaio
envergonhado, eu não poderia: era como se, nesse íntimo, ao mesmo tempo,
indevassável para nós mesmos e tão claro para quem nos vê, eu soubesse, sim, o
que marca esse ser que eu tanto buscava, não podendo, entretanto, pingando os
pontos nas letras devidas, explicar, tintim por tintim.
O que eu não sabia,
então, e continuo não sabendo dizer como eu não sabia e como sei que não sabia,
era que nunca fui, naquelas sendas, o único a buscar um encontro com um
vagabundo; que eu não era o único a olhar de lado, com discrição calculada,
sempre na esperança de, assim, enviesadamente, afinal, gritando para dentro,
exclamar que, passos tantos idos, encontrei! Se não todos, muitos dos que,
vagabundos em potencial, nenhum deles, a meu ver, o que eu buscava, passaram
por mim, até roçando, com fricção autentica, meus ombros, juntavam-se a mim na
mesma busca, em procura semelhante.
Eu que sempre cri
saber muito, não desconfiei que igual frustração experimentada por mim também
fora “saboreada” por muitos deles, os que, de lado, jogaram seus olhos
esperançosos, aguardando que, num átimo, eles lhes dissessem: é esse o
vagabundo que tanto procura! E, orgulhoso do meu saber, desconfiei menos ainda
de que, ao menos para um deles, eu, enfim fui o vagabundo desejado, olhado de
lado, num golpe de olhos tão discreto que não percebi: e é possível que um
roçar de ombros, proposital, e que tenha despertado em alguém um acúmulo de
arrepio, em mim, só o desconforto por achar que, na tentativa de,
discretamente, encontrar o que procurava, nesse contato físico, quase pus tudo
a perder.
Olho, de vez em
quando, para os lados, mesmo para trás, para me certificar de que, sendo o
achado para quem me buscava, ainda sou, por onde quer que eu ande, uma
esperança para alguém. Nada vejo! Nada percebo! A não ser que talvez seja assim
mesmo, não vendo, não percebendo, que melhor se é visto, se é percebido: mas,
disso eu não sei.
CHICO VIVAS
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