quinta-feira, julho 01, 2010

A CARA DA MESMA MOEDA É UMA COROA









ão se mede, nessa nossa quase atávica mania de fazer comparações, uma verdadeira majestade, cada vez, aliás, mais rara, nesses tempos republicanos em que reis, de fato, lançam mão do bem-público, pela coroa que ostenta, embora impressione a quantidade de pedras ali incrustadas, fazendo com que o olhar, encantado com tamanha preciosidade, estabeleça uma necessária relação de reciprocidade entre o número e o peso desses tais quilates e o poder de Sua Majestade: e olhar, tão facilmente seduzido, vem de olhos demasiado amadores para que saibam distinguir, a distância, porque é regra não se aproximar muito da realeza (e esse fosse é uma realidade), uma coroa, de verdade, independentemente das pedras, que seja, então, legítima, tanto pela sinceridade dos (seus) raros brilhantes, ainda que em número generoso, quanto pelo direito de se a usar, sem que se a tenha usurpado, à força, mesmo à força do convencimento pelas palavras, o que não é uma violência menor, apesar de uma possível aceitação da outra parte, iludida, assim, em sua boa-fé pela má dos sofistas, palavras estas de quem portava a coroa, talvez a justificar a imperiosa necessidade de que se dê tal troca, porque, afinal, a coroa em questão, nessa velada disputa pelo poder, se ajusta, à perfeição, à cabeça que ora a reclama, tendo ficado ou apertada ou folgada para aquela que ainda a sustenta – por pouco tempo, se depender “de mim”.

É preciso ter um olhar algo treinado para se dete(c)tar as falsidades que se escondem na arte do reluzente, difícil, então, de se perceber, pelo fato comum de que as pedras preciosas não fazem parte do cotidiano da maioria, súditos mesmo nas repúblicas (em que o público deveria ser “rei”), crendo-se os reais donos do poder, delegando-o, por já não se ser obrigado a genuflexões, à passagem do rei, enganados que se ficou com a postura ereta que se passou a forjar, à custa de algumas dores, para se convencer de que se é, em princípio, como tese, o que manda: e com isso a dinastia progride, fazendo seus sucessores, a ponto de se festejar o nascimento de um novo príncipe, achando que seus olhos azuis são os que melhor hão de nos representar.

Revoltas à parte, às vezes, servindo como desculpa para o poder endurecer, revoluções vigiadas para dar a sensação, devidamente monitorada, de que somos verdadeiramente livres para romper as cadeias, apertando, porém, ainda mais os laços que nos mantêm escravos, as coroas trocam de cabeças, e isso porque elas estão sempre no lugar, enquanto a nossa...sempre a acreditar em contos de fadas, não percebe que o cavalo de pelo branco é só um burro tingido de cândido personagem; não percebe que o príncipe que o monta usa lentes de contato coloridas, esforçando-se para sustentar, com dores, uma postura reta, na intenção de parecer mais alto, mais garboso, mais príncipe, e distribuir sorrisos que mais contentam os olhos, distraindo o estômago e enchendo o coração, além de atiçar a língua a declarar que se testemunhou aquele príncipe nascer, com a predição de que seria o homem que é e que, com tamanho acerto, já se pode prever que seu sucessor há de ser tão belo assim, mal notando o aperto ou a folga daquela coroa, prestes a iniciar uma nova dinastia com olhos sempre, independentemente de sua cor natural, azuis.

O tempo, mesmo que não o vejamos arrastar um manto, tem lá sua própria majestade; e impressiona, ao passar, pela coroa, ainda que sejam falsas suas pedras. Mais sabido do que sábio, sabe bem como fazer de conta que se dobra a nossas vontades, e que todo seu poder, naturalmente, emana de nós mesmos, mantendo conosco esse laço de cetim. E, com isso, domina-nos; vai-se sucedendo, como se quisesse pôr no trono a infinidade de momentos de que é feita sua Casa Real, por mais que ouça dizer (revolução à vista que jamais sai do papel) que ele, o Tempo, com toda sua pompa e majestade, é, simplesmente, imaginário, uma simples noção que não nos sai, sintético juízo a priori, da cabeça.

Enquanto houver tempo – e não há, no horizonte, qualquer perspectiva de que ele deixe de existir tão cedo, tendo nós de continuarmos a nos haver com ele –, o seguimos, à risca, seguindo-o, toda essa invenção (da nossa cabeça, embora tenha sido outra cabeça, que não a nossa própria, que inventou toda essa história), ratificando, assim, sua realeza, ou nos insurgimos contra ele, fazendo a revolução. Mas, como todos nós, por mais republicanos, sonhamos, no fundo (de nossa “descoroada” cabeça), com uma tiara dinástica, mesmo que não nos caiba (tê-la), à perfeição, adiamos nos revoltar contra o Tempo, à espera de vir a tê-lo em nossas mãos. Eu, aliás, estava com ele na minha cabeça até a gora; “agora”, porém, é só recordação...