sexta-feira, março 21, 2008

OS DEZ MANDAMENTOS DO CINEMA


1°) AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS




Para nosso desespero, contrariando fantasias infantis que faziam de Deus um eterno velho, com uma doçura improvável num velho-para-sempre, insuportável em qualquer um, eternamente assim, os deuses envelhecem, e não permanecem, para sempre, Stanley Kovalski, decaindo, com bochechas flácidas, num Dom Corleone qualquer: eles, ao menos, podem ser um PODEROSO CHEFÃO (quem há-de querer os contrariar?!), enquanto que nessa nossa humanidade, nada branda, o máximo que se consegue, numa experiência de sublimação, é, pai, exercer, domesticamente, nesse ambiente cada vez mais exíguo do próprio lar, nem sempre a casa própria que se pediu a Deus, uma tirania baseada no argumento, sempre forte, do “enquanto eu puser comida nesta casa, quem manda aqui sou eu”.
E para aqueles que batem o pé, dizendo que deus mesmo é Orson Welles, well, em verdade, em verdade, eu vos digo: Orson foi o diabo!



2°) NÃO TOMAR SEU SANTO NOME EM VÃO





Vão é um esconderijo que serve para que, na hora do aperto, filme no auge,quando a fisiologia aperta, sem dó, desaperte-se, às escondidas, num cantinho, um olho na tela, vibrando com os momentos de ápice da tensão, outro no... Bem, escuro como está, não é possível acertar no alvo, sendo uma injustiça, em tal situação, cobrar-se mira precisa. Talvez não precisasse isso, agüentando só mais um pouquinho: o problema é que se todos agirem assim, passada a tensão, todos hão-de, ao mesmo tempo, correr para aquele vão, encimado, em letras gritantes, por seu nome.




3°) GUARDAR DOMINGOS E FESTAS DE GUARDA




Já se foi o tempo em que cinema era hábito domingueiro – com os domingos mais concorridos, quando muitos deixaram de render honras a Deus em Sua Casa, há um fluxo cada vez maior de penitentes, de pacientes espectadores, na fila, como se esperassem entrar no reino dos céus, até reclamando de que aquilo está um verdadeiro inferno, e é preciso guardar mais para pagar o ingresso desse dia, sendo mais econômico ir mesmo é durante a semana, como se essa ida fizesse parte das tarefas do dia-a-dia, deixando o domingo como um curinga: de der, deu; se não, DVD.


4°) HONRAR PAI E MÃE




E a confusão está estabelecida: já não se sabe, ao certo, quem é mãe, quem é pai, já que os papéis se misturaram todos, e não por culpa de um “miscasting” ou de transgressões de papéis sexuais, e sim porque ora o pai é, além de viver este papel, a própria mãe, ora é esta (alegando sempre um acúmulo de papéis) que se faz pai. E há momentos em que, não sabendo, exatamente, o que deve ser, é-se pai, quando “O GAROTO” esperava uma mãe, ou se é mãe, quando o mesmo preferiria estar sozinho.



5°) NÃO MATAR





Se, contudo, isso já aconteceu, não há razão para se desesperar, já que, sob outro nome, pecar-se-á mesmo contra o oitavo mandamento: e eu não estou mentindo! Todas aquelas idas, enfrentando filas, ao cinema, para ver, repetidamente, RAMBO I, RAMBO II, RAMBO III, com a desculpa, para si mesmo, de que só fez isso para (ora!) “matar o tempo”, pode ser minimizada: jure, de pés juntos, mão (direita) sobre o peito (esquerdo), que nunca viu Stallone mais gordo.



6°) NÃO PECAR CONTRA A CASTIDADE




Sinto muito! Essa história de castidade já deu o que tinha de dá, embora continue rendendo, valendo-se de certas prisões particulares em que vivem até os mais livres, os, aparentemente, mais libertos do cinto – e é um grande engano, já percebido pelos produtores, que vêem neles um mercado sempre promissor, acreditar que os libertinos, para os quais a castidade não faz nenhum sentido, vivem fora das grades: também eles cultivam suas celas pessoais, por mais que encham suas paredes de pôsteres-de-fantasia. E sabe-se que, se fotografias paradas são capazes de seduzir com uma liberdade provisória, as imagens em movimento (e que movimentos!) acenam com uma fuga em massa, espécie de experiência grupal.


7°) NÃO ROUBAR



Aí, a coisa pega! E pega sem autorização. Pega o que não lhe pertence, por direito, lançando mão de teorias desusadas de um socialismo que se rendeu às leis de mercado. Por vezes, a cena é tão patética, que, passados para trás, terminada a sessão, bradamos: isso é um roubo! Não reclamamos, contudo, quando testemunhamos, caladinhos, um roubo monumental, daqueles que merecem o adjetivo de cinematográfico, calando fundo, em nós, um sentimento de querer ter participado daquele bando, hoje, imaginamos, vivendo lá para as bandas de um paraíso qualquer: pode ser qualquer, mas é paraíso.



8°) NÃO LEVANTAR FALSO TESTEMUNHO






Agora, me digam, com sinceridade, que graça teriam todos aqueles deliciosos filmes de tribunal, se não fossem as testemunhas – as falsas, despertando nosso ódio, ainda que reconheçamos nelas algum motivo, compreensivelmente, humano, e as “verdadeiras” testemunhas, as que, quando parece não mais haver tempo hábil para isso, nenhuma salvação possível, surgem, às vezes, do nada (mas, a essa altura, que nos importa a verossimilhança!?), para redimir o injustamente culpado. Acreditem, não raro, nesses filmes, são as falsas testemunhas que são a salvação...da lavoura.



9°) NÃO DESEJAR A MULHER DO PRÓXIMO





No entanto, se o PECADO MORA AO LADO, e tem os olhos, os lábios, as pernas e os amarelos cabelos de Marilyn Monroe, ou se se mantém com aquele ar distante, como se não tivesse nada a ver com isso, olhando só de canto de olho, ou, num cálculo fácil, assume-se o ônus, em nome do prazer. E, para aquietar a culpa, numa típica chicana forense, muda-se, se possível, para a casa anterior. Assim, em vez de desejar a mulher do próximo, pula-se, sem pular, rigorosamente, a cerca, essa casa, como num jogo de ludo, é vai-se direto para a seguinte, onde, é sabido, mora o pecado – e a louraça.

10°) NÃO COBIÇAR AS COISAS ALHEIAS





Se é verdade que olhar não tira pedaço, como é possível se comer com os olhos? Há quem só coma assim, olhando as coisas alheias, mesmo que tenha, diante de si, como um pão nosso de cada dia, o que chama de seu, embora, por mais coisificada, possa não ter legítimo direito sobre isso. Não raro, as coisas que nos são, legitimamente, próprias perdem, com o tempo, o poder de nos dar continuado prazer, como se este estivesse menos na coisa, em si, e mais em sua novidade. As alheias, por mais que finjamos não ter nada com isso, exercem um fascínio todo seu: e até esse fascínio, por ser “seu”, fascina-nos, fazendo com que o cobicemos, mesmo que não saibamos o que, se viermos a tê-lo, fazer com ele. Ah! é meu: então, posso fazer (com ele) o que quiser, até não fazer nada “com ele” – é meu




sábado, março 08, 2008

COMO ISSO IR-RITA!







rregaçar talvez seja um gesto de impetuosidade juvenil, quase uma (pedagógica) exibição de puberdade, esse tempo em que se pode, quem assim pode, manter-se à margem do trabalho, seja ele qual for, qualquer um que, deixando a alcunha genérica de tarefa do dia-a-dia, alcança o status de trabalho – labor, para quem prefere variar, e não de trabalho, mas os nomes que se lhe dão, mais especialmente do trabalho braçal, aquele em que entra o exercício dos músculos.

Já arregaçar as mangas, mesmo naqueles que, não exigindo o trabalho o contrário, trabalham em mangas de camisa, é um esforço deliberado, ressalvando-se as ocasiões em que tal arregaçar não passa de um gesto apenas eloqüente, sem, no entanto, haver esforço correspondente.

Arregaçar também é, numa metáfora que soa a eufemismo, pelo que, aparentemente, tenta suavizar, um ato, tipicamente, masculino. E não seria falácia, embora haja aí certa esperteza retórica, nesse jogo de palavras, associar isso a uma fálica postura: e disso gostam os púberes, substituindo,sem se darem conta do negócio, a carne pelo verbo, como os que, com o tempo, depilam-se, mas nem assim conseguem voltar atrás, e, carne cara agora (até o músculos: principalmente eles, tão valorizados!), voltam-se para o verbo, numa ação sem maiores conseqüências sintáticas.

Gilda, que numa foi homem (tendo sido, no entanto, macho o suficiente para suportar a dor, que nenhum macho provavelmente suportaria, de retirar, fio a fio, muitos cabelos dos que, naturalmente, quase lhe cobriam a testa, nesse redesenho de uma face, nessa construção de um mito), essa mesma Gilda que, na nossa fantasia (mesmo na daqueles que, entre nós, não abrem espaço para fantasias), parece já ter nascido aquele mulherão, e vestida a caráter, com longas luvas, como se arregaçasse as mangas, ela tira, num fálico sincronismo musical (sutileza na qual nenhum homem ultrapassa a mulher), as luvas: três-quartos que parecem uma eternidade inteira, não se sabendo muito bem se isso é dispensável, pela prazer adiado, ou se é o próprio prazer, em si, por esse mesmo prolongamento.

Exagero, certamente, coisa, é provável, de homem dado a marketing, dizer que nunca houve uma mulher como ela, como Gilda, como se fosse possível, a qualquer homem, passar em revista todas as mulheres, a menos que para eles isso seja apenas o folhear de páginas carregadas de mulheres que, arreganhadas, às vezes, sem saberem o porquê, vestindo somente luvas três-quartos, jamais chegariam aos pés de Gilda: até porque, salvo opções pessoais, só os homens disso poderiam tirar algum prazer. Mas, homens, em geral, temem ajoelhar-se (temem que sejam obrigados a rezar), quanto mais a ficar aos pés, temendo, nesse caso, gostar tanto dessa posição, que não queiram mais se levantar.

Mas, se são assim, bem poderiam dizer, como Gilda (Put the blame on mame!), que a culpa é toda das mães, chamem-se Gilda ou não, tenham ou não cabelos nas ventas, tenham já deixado algum homem no chão ou arreganhem os dentes para um, louca(s) para um arregaçar, cujo sentido não revelam, nem para si mesmas, ainda que se chamem Gilda, porque, agora, independentemente do nome que tenham, dizem-se mães.









sábado, março 01, 2008

HAIR: ESTOU CARECA DE SABER!



À Divina Rita: e falar da Hayworth seria óbvio demais.




elas mesmas, impressiona que todos as vejam, irmãs que não negam ser, como iguais: e os que surgem, apontando diferenças, parecem-lhes sempre querer buscar um meio de perceber o que os outros não notam, sublinhando, contudo, o que, elas próprias, crêem ser suas semelhanças, passando ao largo do que, realmente (se a palavra couber aqui), as faz tão diferentes. No geral, ninguém acredita que não sejam gêmeas; mais até: que, em vez de duas, por mais semelhantes, acham que são, cada uma, metade de uma só. E isso porque sequer incluímos – ainda não – seu irmão que, apesar, gramaticalmente, de gênero oposto, é tido como um pedaço desse inteiro, agora já dividido em três partes.

São todos (por questão de estilo, já que, em número, “elas” lhe superam, único masculino nessa história louca) filhos do Sonho – e não me perguntem com quem, já que, para nossa natureza interdependente, tudo deve nascer de dois, e diferentes entre si. Elas são a Fantasia e a Ilusão, enquanto ele, citado, aqui, por último, embora devam ter surgido ao mesmo tempo, é o Delírio.

Talvez alguém esteja a dizer, atribuindo-me, indevidamente, a paternidade desse delírio (apesar das afinidades oníricas, não sou o Sonho em pessoa), que isso bem pode ser apenas nostalgia, ou recrudescimento psicodélico, de uma época que cansou da onomástica mais convencional, indo buscar, na imaterialidade, o nome das novas gerações – geradas, muitas delas, em pleno delírio, em plena fantasia, em plena ilusão, tudo, claro, com a conivência paterna e algo promíscua do Sonho (de um mundo diferente: e melhor).

Algumas Ilusões, certas Fantasias, sem nos esquecermos dos Delírios, passado o tempo em tudo isso, se não era a imagem da normalidade, era uma necessidade, indispensável, como toda necessidade, para se crer em novas possibilidades e, não raro, apesar de uma aparente contradição, em “lucrativos” negócios, escondem sua origem: uns por causa da excentricidade de batismo, outros porque, pela associação, seu nome é já um registro de nascimento estampado na cara, remetendo a décadas que ficaram para trás.

Nem todo Delírio, Fantasia, Ilusão nasceram lá pelos 60, pelos 70. Na verdade, estes são, nominalmente, o plágio do que há de mais antigo no mundo, podendo recuar mesmo ao seu começo - se não, vejamos: criar um mundo não é fruto de uma alimentada fantasia? pôr mãos à obra não é delírio? e acreditar no que fez, dando-se por satisfeito, é ou não é a mais pura ilusão?

Longe o tempo de criança, hoje em dia não é mais tão comum ver Fantasia e Ilusão passeando por aí de mãos dadas, cabelos trançados e arrematados por um laçarote. O próprio Delírio, um dia, com cabeça nas nuvens, agora, se orgulha de ter os pés no chão. Mas, por mais que as coisas mudem, por mais que o mundo não tenha melhorado, que toda aquela “fumaceira” – e fumaça é sempre bom indício de fogo – não se tenha configurado no incêndio de um velho viver, cheio de separações oficiais (e outras não), e no conseqüente surgimento, dessas cinzas (delírio? ilusão? fantasia?), de uma fraternidade sem fronteiras, Fantasia, Delírio, Ilusão não deixam de ser o que são, assim, de uma hora para outra, negando, simplesmente, o próprio nome, nome próprio vindo de substantivos abstratos, tendo de carregar consigo, por mais que a isso chamem de peso, a natureza que lhes é indissociável.

Não se pode lhes negar certa solidariedade. Por mais que à nossa boca venha, com facilidade exemplar, um discurso de que cada um deve ser o que é, impondo-se, mesmo contra a maré, nem sempre nos sentimos confortáveis em, publicamente – do jeito que nossa vida particular é, e cada vez mais –, apresentá-los como amigos; evitando, não raro, que nos tomem sequer como seus conhecidos.

E tudo isso nos leva a concluir que é preciso ser forte para resistir contra todas as adversidades; especialmente, se se tem de lutar contra a própria natureza, neste mundo-solo, longe o tempo dos coros-paz-e-amor: e onde outro lugar mais hostil, tudo tão terreno, para quem é Delírio (por favor, chamem-me, diminutiva e carinhosamente, de Del!), para quem é Fantasia (para você, ela é Fan), para quem é Ilusão (Lu – e prefiro ostentar este meu nome inapreensível a ser chamado(a), em público, de Lulu: coisa mais infantil!).

Não falamos do Sonho. Mas, mesmo os que não crêem em nada (disso) sabem, de cor, ainda que tenham esquecido o que vem depois, que...Em nome do pai...tudo é possível. E foi Ele Quem deu nome a tudo, pelo menos, no começo, quando só verbo havia e o mundo ainda carecia dessas abstrações que, apesar de muitos cabelos (o que não é o meu caso), não nos saem da cabeça: Delírio, Fantasia, Sonho...



Se, neste mundo de nomes, ainda houvesse espaço para se dar um (outro) nome ao mundo, que tal...Woodstock?!