sábado, novembro 01, 2014

O HOMEM ESQUECIDO








“Nunca” – e eu até me prometi, um dia, nunca repetir isso –, jamais me tendo esquecido disso, nem de quem (me) disse, o que pode provar o quanto nos lembramos, se outros comigo partilham de tal memória, do que nenhuma falta faria, se nos esquecêssemos –, é mesmo um “lugar que não existe”. Mas, há sempre a possibilidade de que exista, ou tenha, um dia, existido, porque, ao que parece, nada dura para sempre (nem “nunca”), sendo que nós é que, talvez, tenhamos desse lugar nos esquecido.



Não que o lugar, em si, seja assim, um lugar esquecido (que, muitas vezes, lugares assim se tornam os mais lembrados, quando, por exemplo, sai-se em viagem, em busca de aventuras, à procura de lugares diferentes, cansados já os viajantes dos lugares sempre lembrados, desejando, desse modo, um lugarzinho esquecido, desde que, ao menos, seja lembrado por alguém que lhe dê tal dica de viagem). O que, na verdade, não existe, até, ao menos, que (me) provem em contrário, é um lugar tão esquecido que o seja até por quem ganha a vida indicando lugares assim a viajantes comuns (embora se creiam, por preferirem tais lugares, bastante raros), ainda que, de tanto os indicarem, fazendo disso já um lugar-comum, quase se esqueçam, às vezes, durante sua indicação, de fingirem, diante de viajantes, que o lugar, para que eles se sintam raros, é esquecido, mesmo que faça disso seu ganha-pão, já tendo perdido a conta, só num dia, de quantas vezes indicou o mesmo raro lugar esquecido, e que continuará conhecido como lugar esquecido, toda vez que o viajante mostrar suas fotos de viagem, apontando, com detalhes, o lugar esquecido, sem se lembrar de, nesse momento, fingir algum esquecimento.



Se “nunca” é assim, nem por isso, contrário àquele, “sempre” é seu necessário verso, portanto, um lugar que (sempre) existe, um lugar que não sai da lembrança, a ponto de não aparecer dos catálogos de viagem, a não ser no de algum autor mais ousado, um que crê que, de tanto visitarem os mesmos lugares esquecidos (e que não saem da cabeça dos viajantes que procuram lugares não comuns), esses que vivem viajando hão de pensar em visitar um lugar justamente contrário, um lugar (sempre) lembrado, e tanto que, deixado de lado por ser o que é, pelos que buscam lugares (mais) esquecidos, tornaram-se, verdadeiramente, esquecidos, ou quase, já que o ousado empreendedor, cada dia mais, aumenta o número de clientes dispostos a irem SEMPRE aos mesmos lugares, lugares sempre lembrados, a ponto de já quase esquecidos.



Nunca-e-sempre é somente um jogo – de palavras, de contrários, de memória, assim como ir-e-voltar, lembrar-e-esquecer, porque é mais fácil não se esquecer de algo (de algum lugar), se se tem na cabeça que, a qualquer instante, pode-se dele não se lembrar, sendo, o que se lembra e o que se esquece, não um jogador, mas, no meio do campo, o brinquedo do lembrar e do esquecer, os verdadeiros jogadores, tendo a memória como árbitro, orgulhosa como é de se lembrar de tudo, embora, sendo quem é, possa, na mesma medida, de tudo se esquecer.


CHICO VIVAS