sexta-feira, junho 01, 2012

WARREN & SHIRLEY COIFEURS






ara evitar perda de tempo (que, como cabelos, é definitiva, a não ser que se tomem providências...a tempo – porém, se este já estiver perdido, não haverá mais remédio, isso que se diz que (já) há para a perda de cabelos), aviso, desde já, que de pouco ou de nada adianta especular, mandar que eu me olhe no espelho (até com os olhos fechados, eu sei bem o que veria). Não adianta, com uma lupa potente, no auge do seu vigor, lente aumentativa quase ao exagero, ali ir pesquisar, porque eu próprio digo, sem maneiras de fingido desdém, ou de um sincero orgulho, talvez ocultando, sob o disfarce de um não-é-comigo, toda a devastação capilar que faz daquela região, entregue às moscas com brevê, a própria imagem de uma clareira, depois de apagada o fogo juvenil das queimadas ateadas por desejos que usam os mais diversos combustíveis, nessa prática secular: tudo o que tenho nessa minha cabeça não passa de resíduos de Shampoo.

E, agora, já tendo revelado o nome do filme, antes que um golpe de surpresa me faça ver estrelas, sou obrigado a revelar também que, embora já ali não tenha lugar cativo, ainda penso em Warren Beaty. Mas, ao lembrá-lo, vem-me (à cabeça, claro!) que isso é história por demais antiga, mesmo que colorida, algo cor-de-rosa, rosa falso(a) talvez, tão velha, como uma das vidas passadas – não uma das minhas, que não leio esses livros exaustivos, mas uma das vidas pretéritas de Shirley MacLane, um dia, irmã linda de um (ainda) eterno bonitão – aquele “Shampoo” devia ter algum mistério!

Não que o cinema me tenha feito uma lavagem cerebral, com divertidas idas a um salão, com perigosas entradas, pelo gosto de passar por aquela porta de vaivém, num saloon, ou com saídas, à francesa, de um elegante salão, tropeçando, porém, no tapete, quando já estava praticamente saindo da fila, atraindo, assim, a atenção, que tanto quis despistar. Ao contrário até! O que esses filmes fizeram foi encher minha cabeça, ocupando o espaço deixado vago, progressivamente, pelos cabelos que me custaram, um dia, xampus caros e condicionadores baratos, tão baratos, que assistir à sessão inteira era um exercício de sobrevivência, pelo calor, numa selva tropical na estação mais quente do ano.

Ah! é tudo de que preciso. Mas, nada tão ao ar livre, com essa dispersão da luz na tela e sua concentração ao lado, onde deveria estar escuro: um ar que fique, hoje, preso, esperando a hora de, num alívio supremo, expiar(-se), desde que não seja por uma ação atabalhoada de carros em disparada ou de astros descabelados dependurados, pendurados por um fio (de cabelo?) num precipício de boca aberta.

Não! preciso de um ar engolido em seco, ao ver, diante de mim, a já não sei mais a quantos quadros por segundo, pois o tempo corre, uma cena de silenciosa eloquência, longa sequência sem cortes, sem feridas expostas (permitidas as in-postas), com um vento falso que entra, não se sabe bem por onde, tornando voláteis as echarpes já leves, e mais pesado o clima, sem, contudo, desfazer os penteados: ilusão de que cabelos são para sempre.

Hoje, no entanto, o realismo de mentira não se contenta com um imenso ventilador oculto e quer vendavais mais do que de verdade, a ponto de varrerem os penteados do mapa. Mas, apesar da intempestiva entrada em cena desse ar exagerado, espécie de ator à antiga, ainda fazendo aladas as echarpes, como se estas, independentemente do tempo (e do vento) que faça, não voassem sempre com espontânea docilidade, num gesto clássico, ainda passo a mão pela cabeça, não na esperança de reencontrar ali fios caídos, tempos perdidos, mas por um sossego que, em meio ao tumulto copiado aos mais banais filmes de ação, as lembranças me dão, mesmo que sejam memórias alheias, coisa de cinema, e não minhas próprias recordações.