segunda-feira, julho 01, 2013

A LIVRE UNIÃO DE PAPILLON COM ALCATRAZ





Uma prisão sem paredes parece ser, especialmente, aos olhos que só a veem de fora, a fantasia de todo preso, sendo muito mais a própria fantasia dos que observam tudo isso com liberdade do que, propriamente, a do preso, fantasia, daqueles, do que seja um preso, de como ele, preso, se sente, e do que, sentindo-se assim, preso como está (ou como é), ele fantasia, aos olhos do mundo – preso também, a sua maneira, mas, tecnicamente, livre –, o quanto deste mundo que pode ser observado de dentro da prisão, de se sentir na mais completa liberdade, não levando em conta os olhos-espectadores, que, sem paredes, e, portanto, sem grades, porque, então, não haveria base para sua sustentação, ou não é uma prisão – se é, não passa de uma fantasia – ou é, sim, prisão, e sendo isso que é, que diz ser, não pode abrir mão das paredes e, em consequência, das grades.


Assim é que o preso fantasia, enquanto, de cá, os olhos fantasiam não só o preso, mas ainda suas próprias fantasias, podendo ser que a fantasia do preso seja acerca de quem, fora das grades, observa-o, fantasiando-se, na sequência, a fantasia que se tem das fantasias do preso, num jogo, de semelhança especular, como um espelho frente a outro, em que não há possível vencedor, porque, afinal, tudo aí não passa mesmo de fantasia, e o vencedor, determinando, com sua vitória, o fim do jogo, poria terno à (própria) fantasia.

Certamente, haverá quem interponha a tudo isso – se não com certeza do que faz, apenas para realizar uma fantasia, a de contestar –, a esse (meu) desfile de fantasia(s), de luxo duvidoso, de originalidade suspeita, a experiência pessoal (nem sempre sentida na própria pele, podendo saber disso através de alguém “muito próximo”, ou até por si mesmo, porém, com a pele, onde se deveria sentir a tal experiência, coberta por uma fantasia que, em que pese a leveza de um tecido fino, esconde-a, de verdade) de que existe (um) preso, ainda que todas as portas estejam abertas (e portas pressupõem, em nome da boa arquitetura dos lares, que haja paredes), confundindo a ausência de impedimentos visíveis com a liberdade total, ou a presença de uma parede, por menos “notável” que seja, com ou sem grades (e a segurança pessoal, hoje, exige-as, cada vez mais), com o cerceamento de um legítimo direito, o de ir e vir. E, penando assim, esses devem, entre todos, ser os mais fantasiosos.

Fantasia recorrente, quando fantasia era um traje obrigatório, era a de preso, com fantasiosas roupas listradas, quase um pijama (de) aposentado, por vezes, exagerando na fantasia (se é possível estabelecer limites para ela), arrastando, com esforço fingido que, no meio da fantasia toda, acaba-se esquecendo, uma bola de ferro atada ao pé: eis a liberdade de se fantasiar do que se quiser. E quando ao fato de a realidade ser bem outra, de presos (já) não andarem, quando têm permissão para fazer isso, com uniformes listrados, limpos, unidos a grilhões, se ela fosse assim, então, a fantasia, para ser o que é, deveria ser outra: quem sabe a fantasia preferia não viesse a ser a de um livre total.

Mas, como seria tal fantasia? Sendo um livre total, em si, uma fantasia, como se a expressaria, por fora, essa ausência de grades, inclusive por dentro?

Como tal homem (ou mulher), livre assim, não há, cada qual com suas próprias correntes – comumente, no pescoço, embora haja os que a trazem justamente no tornozelo, lugar preferido dos grilhões –, pode-se fantasiar do jeito que for, até mesmo com uma camisa-de-força, desde que se afirme que isso é que é liberdade, não dando, no entanto, a mesma aos olhos que, vendo aquilo, sentenciam: que prisão!