sexta-feira, julho 04, 2008

CHOREI, CHORARE






á tinha ouvido falar, embora jamais tenha presenciado cena assim – comovente para uns, para outros, apenas apelativa – das lágrimas de crocodilo, nunca me tendo atracado com um, mesmo que para um exótico abraço, pressionando, por fora, aquelas suas glândulas que, como mecanismo precisamente acionado durante a comilança sem requintes de civilidade, fazem-nos, a indivíduos desse gênero (para não dizer a gente dessa raça), verter lágrimas: o que, a nossos olhos tão dados a paixões exacerbadas, parece um chororô sofrido, que nos toca profundamente, quase a nos levar a uma carícia na cabeça do bicho, sem, então tomados pela emoção, atentarmos para o risco, ali, tão próximos como já nos achamos de suas instintivas presas, presos nós por alguma culpa sem nome, predador esse crocodilo que, numa experiência sensacional, vai ao pranto justamente por estar gozando do alimento necessário – já que, em se tratando de ser que não homem, dizer do alimento que é o “desejado”, é já apelar para uma prosopopéia.

Vá lá: jacaré! isso ainda passa, ainda que eu não seja daqueles que, para demonstrar, publicamente, uma coragem que na verdade não tem, faça qualquer questão de passar por perto de um. Mas, uma águia...isso já é demais para nossas assentadas noções de altivez. Afinal, onde foi parar aquele olhar arguto, que sobrevoa (a) tudo, mesmo quando (esse) tudo não passa do nível mais rasteiro, aqueles olhos que enxergam longe, aquelas presas retráteis – recuam, talvez para não mostrar, de cara, do que são capazes, e avançam na hora certa –, aquele bico que, se nariz, bem poderia ser um sinal de astúcia, e, enfim, toda aquela sua pose imperial(ista): onde foi parar?

Não me venham, agora, rastejante jacaré, sem sequer ser tratado por um Crocodilo, querer que eu chore por causa de uma atitude piegas, indigna de uma ave tão sagaz, dessa águia. Choro, antes, consumidor de folhetim barato, por gêmeos, por gêmeas que, sem que se espere por isso (como nos bons folhetins que nos pegam de surpresa, forçando lágrimas imprevistas no meio de um sorriso de vitória), sendo destruídos(das) pela força, maligna mas inteligente, de um vilão, oculto nas sombras, deixando-nos a impressão de que é feio, conduzidos que somos, pela mão manipuladora de um bom novelista, a acreditar que é justamente para se vingar do mundo, por causa de sua feiúra (que culpa temos nós?), que se atirou assim sobre as pobres gêmeas – embora, saibamos, pela história, que são meninas ricas e, como águias, tantas vezes olhando tudo do alto.

Sinto por elas, por essas gêmeas, construídas pelas mãos experientes de um demagogo para serem firmes torres de uma história edificante, até, pelo menos, que um crítico, como se fosse um perito em obras desse gênero, achasse, trazendo isso a público, os buracos comprometedores. Mas, a essa altura, quem lê e gosta do que lê, pouco se importará que os tais buracos se revelem crateras para as quais não se pode fechar os olhos, porque há delícia em, junto com as gêmeas, ir tão alto, mesmo que nunca saiamos do nosso nível tão terreno (e daí para baixo), delícia semelhante a de ir ao chão, quando – coitadas das gêmeas – elas caem.

Todo folhetim que se preze, para prender o leitor, faz o mocinho, a mocinha, um deles, sofrer, página atrás de página, preparando a grande revanche, quando o vilão, afinal, terá sua face (monstruosa) exibida em cadeia internacional. Mas, e isso é outro truque dos manipuladores, o mal pode, ao contrário do que tanto gosta nossas aspirações cristãs, ter uma face bela – e há cristãos que vêem nisso o reforço de sua crença, argumentando que o mal sempre se apresenta assim, belo, para seduzir os que insistem no “terreno”. Em caso assim, lamentar as gêmeas? saudar o mal? achar, subitamente, buracos onde tudo parecia uma estrada celestial? ou, simplesmente, chorar de raiva por ter-se deixado levar, como se diante da mais terrível realidade, por uma ficção digna de uma águia dos folhetins?



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