quarta-feira, outubro 01, 2008

O QUE OS OLHOS NÃO VÊEM...




As bochechas, recheadas com chumaços de algodão, de Dom Corleone nunca me enterneceram: seu olhar, sim – mas, sentimental, me enterneceria com qualquer avô, por mais descarnado, por mais que suas faces não apresentem maçãs (a fruta, a essa altura, é outra, guardada, há tanto, como se sabe, na devida gaveta), ainda que se mostre, essa mesma face, tão chupada. De Brando, lembro-me de o ver desenhado, sob a justa camiseta, inaugurando uma moda, como se fosse eu um passante habitual daquelas ruas, sempre tomando o mesmo bonde, chamando assim ao meu desejo de, entrando numa máquina do tempo, viajar, sem sair do lugar, o que, de resto, já faço na poltrona que me cabe.

Aquele Kovalski, “sarado”, em meio às “doenças” de Blanche, da sensatez de (sua) Stella, rodeado por uma América tão distante dos nossos sonhos (dos que, entre nós, um dia, sonhou com ela), tão próxima do mundo que mais conhecemos (porque, antecipando-me, sabemos bem a “Cor do Dinheiro”), é a própria imagem da juventude, espécie de atualização, a sua época, do ideal cultivado nos ginásios gregos, para deleite de filósofos que encobriam, sem nenhum bonde à vista, seu desejo, semelhante ao de qualquer homem ignorante, inclusive (caro Sócrates) de si mesmo.

De Paul Newman, à parte seus músculos, ficou-me a face – e nela, como se, soberanos, usurpando a atração de quaisquer outros traços ali, os olhos, imperando, solenes, carregados de uma humanidade de fantasia, porém, enxergando, como olhos de qualquer outra cor, as misérias do mundo. Deste, a carência de escândalos, só os havendo na medida necessária para, dissipadas algumas fantasias de celulóide, manter vivo o mito, manter mítica a vida. Daquele (outro), como esquecer seus dissabores, suas tragédias pessoais, seus refúgios tropicais, suas mulheres exóticas, e, sobretudo, o que nos faz chegar perigosamente perto do (nosso) próprio drama de existir, a transformação do corpo, no rastro do tempo, tornando, hoje, irreconhecível o belo de ontem.

Adeus dá-se a um sonho, a uma fantasia, como se, dissipando-se, seja porque a vigília cobra esse alto preço, seja porque, vigilantes, temos de trocar de máscara, soubéssemos que, findo um, finda outra, não mais os (re)encontraremos. À realidade damos um até breve, já que, a nossa própria revelia, sabemos que, mais dia, menos dia, haveremos de a encontrar, novamente.

Adeus, Paul! Até breve (como é a vida, porque longa só mesmo a arte, já dizia o grego Hipócrates), Brando!



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