sexta-feira, maio 01, 2009

UM RASGO DE LUCIDEZ NESSA MINHA LOUCURA AOS FARRAPOS



roto riu do esfarrapado só porque este, esfarrapado como é, é justamente aquele que vive, aos farrapos, repetitivo, sem alterar sua moda, não atentando aos ciclos que se alternam, prendendo-se a um único círculo, girando sempre em torno dele, repetindo, quando vê dois quaisquer, quaisquer que sejam esses dois, em situação semelhante, sem que um possa, aparentemente, falar do outro, estando um roto e o outro, a seu ver, esfarrapado, digladiando-se para ver quem estar melhor(?) – se é que cabe uma palavra tão boa, aqui.


Com base em tal raciocínio – ainda que, a essa altura, muitos, sempre atuais na moda do pensar (embora não passem de uns repetitivos), estejam a duvidar de que haja, realmente, aqui, um raio de razão –, nessa lucidez que sustenta os argumentos do roto para rir do esfarrapado, também este, por mais que seus farrapos não nos inspirem (a depender do estado dos farrapos, não é nada agradável se os “inspirar”) lá muita confiança, poderá lançar sobre o rosto do roto, originalmente ou só dando o troco, uma sonora gargalhada, mesmo que se possa considerar que há, sim, diferença entre esse roto – coisa até do acaso, nem sempre se percebendo um rasgo na nossa vida cotidiana – e o tal esfarrapado, pois este, se honra o nome que tem, é uma coleção de rasgos, sem que se possa atribuir tantos rasgões a um mero acaso, não se crendo que não tenha se dado conta dessa sucessão de fendas que se abriram em seu traje.


A questão, talvez, seja demasiado sutil. Um roto pode se sentir, mesmo que só carregue consigo um rasgo, completamente esfarrapado, se considerar que isso é um furo em sua moda integral, enquanto que o esfarrapado pode sustentar que é assim por pura filosofia – moda antiquada! – ou porque, ao contrário do que se pensa dele, vive sempre atualizado, conhecendo todos os ciclos da moda, sendo que o da vez não é outro, senão os farrapos em pessoa: e, nesse caso, quem há-de lhe negar elegância?


Costuma-se, com argumentos de justiça, sustentar que uma disputa equilibrada só se dá quando os contendores possuem força semelhante, armas iguais, e nenhum deles conte com uma prévia graça divina que, há muito, independentemente de sua força (ou de sua fraqueza), de suas armas (ou do seu covarde pacifismo), já está destinado a vencer. Assim, nada mais justo do que um roto a falar de um esfarrapado, ainda que os mais puristas, os que levam a (tal) justiça ao extremo – passo seguro para a crueldade –, prefiram que a batalha se dê entre dois rotos, com os mesmos rasgos, ou entre dois esfarrapados, contando estes com farrapos em igual número, se houver alguém disposto a contá-los.


Se alguém, agora, estiver a falar de mim, tomando-me como roto, que olhe para si, e veja se não é roto como eu, ou até, diferentemente de mim, que só sou roto, um esfarrapado – e, ainda por cima, fora de moda. Caso me tome por esfarrapado, ainda que dentro da moda, que se olhe no espelho para constatar se não é, como eu, esfarrapado também, mesmo que com um ou dois farrapos a menos, ou que, se concluir, em relação ao esfarrapado que eu sou, que é um roto, um que traz somente um solitário rasgão, se este não tiver sido percebido, e se estiver num ponto em que deixe mais à mostra, único, do que todos os meus atribuídos farrapos, é esfarrapado sim, apesar de toda a discrição de sua moda de um só rasgão.


Nenhum comentário: