sexta-feira, outubro 01, 2010

MINIE SAIA E MICKEY MOUSE









antasia não é só um filme de Walt Disney que encantou crianças de outro tempo, encantando, naquele mesmo tempo, quem criança já não era, exercendo sobre estes, cada vez mais, menos crianças (ou mais, justamente, pelo afastamento desse tempo), ainda hoje, um fascínio que só é visto nas crianças, e não nas de outrora, não mais num Mickey, um ratinho esperto, mas num “mouse” que até cria, virtualmente, suas fantasias: coisas do (nosso?) tempo!

Seja qual for ela, sem saber ainda o quanto é fantástico, não se restringindo isso a um fim de noite de um domingo que se repete, semana a semana, ter fantasias, ainda que, quando então se as tem, em idade propícia a tê-las, elas são a (própria) realidade, tempo haverá para se encantar com ratinhos, para os temer, para os esquecer e, enfim, para os lembrar, como a marca de outro tempo: e quando esses dias chegarem, talvez o mouse de hoje já seja, perto da nova tecnologia, a própria fantasia.

Esse universo, no entanto, não se restringe ao rato, por mais esperto que ele seja para dominar a história. Há um pato – quá, quá, quá! – e há um pateta: mas, um pato-pateta, e que, ainda por cima, quebrou a caneca, mesmo pertencendo a esse mundo de fantasia, é uma outra história; o instrumento que toca é outro.

Aparentemente, para quem, já sem tantas fantasias, temia pelo futuro, passar do desenho, cheio de vida, mas nada “animado”, das tiras, dos gibis, para uma (quase psicodélica) animação, entre rugas com Stravinsky, hipopótamos que leveza invejável, flores em corpo-de-baile, objetos que abandonam sua função primordial e, algo kitsche, aparecem num show de talentos, seria como subtrair à fantasia algo de precioso: a própria vida, aquela que, na imaginação, se emprestava, de si, aos inanimados personagens.

Qual nada! Quá, quá, quá! Era como se tudo aquilo, uma vez, no papel, dele saísse, como que por encanto (e não foi por outra coisa, senão por isso que se deu tal Fantasia), avançando, numa multidão de desenhos, para a realidade, sem perda de sua fantasia original, tingindo a nossa, às vezes, tão carente de vida própria, com uma sequência de alucinações: mais seguras (nem tanto assim!) e mais baratas (certamente, sim) do que experiências psicodélicas. Enquanto, por mais anacrônicas que, hoje, possam parecer aquelas cores entorpecentes, aqueles sons estupefacientes, aquelas estupidezes geniais, viagens químicas, sintéticas, sem passar por análises criteriosas (talvez se recorra a elas para, justamente, descansar de tanta análise, de tantos critérios), podem ser sem volta, podia-se, volta e meia, retornar ao cinema, à Fantasia: agora, sequer é preciso sair de casa, embora fantasia assim, permitida, sem ao menos um escuro coletivo para se extravasar os segredos individuais (ainda que isso não seja coisa para criança), não tenha lá a mesma graça.

Há ratos e ratinhos: estes são quase uns mimos, presente infantil, cobaia para as primeiras atenções e para as inicias crueldades; já daqueles (esses ratos!), saídos, como parecem todos, ao esgoto, deve-se manter distância, ainda que, para isso, acabe-se aproximando de um outro, um rato em metáfora, alguém que fantasia (com) crianças e, num clique no mouse... E isso não é desenho animado!




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