quarta-feira, julho 01, 2009

AO MESTRE COM CArrINHO



Ao mestre ANDRÉ, carinho


ão! Não falo de modo arrevesado, forçando um sotaque ao dobrar um erre (o que seria um erro) onde só há um rê.

Divididos por natureza, fizemo-nos, apesar da mesma espécie, em dois gêneros: aquele que brinca com carrinhos, espécie de carinho genérico que se lhe dá, apostando num conservadorismo que julga que, salvo alguns “desvios”, se o gênero em questão é “este”, então, carrinhos, e não há então como errar; e aquele “outro” gênero, afastados dos carrinhos, a não ser os de bebê, já que o carinho que se supõe mais apropriado são os bebês em miniatura, bonecas de plástico que retificam a divisão, ao tempo em que a prolongam no tempo, favorecendo uma imutabilidade de papéis, a não ser quando as condições mais objetivas de vida impõem uma mistura, até mesmo uma troca de papéis, com “aquele”, talvez perdido seu próprio carrinho num desses desvios da vida, agora tendo de cuidar do bebê.

De bonecas, não falo: deixo isso para Baby Jane (o que teria acontecido com ela talvez nem Robert Aldrich saiba) a tarefa de se fazer representar em plástico, como se miniaturas de si mesma, fabricadas em série, garantissem-lhe uma eternidade – mas sabemos do que o tempo é capaz. E para aqueles que duvidam disso, é só dar uma olhada no que ele fez com Bette Davis, imortal apesar de tudo.

Quanto aos carrinhos, também não falo deles: deixo isso, de bom-grado, nas mãos rebeldes de James Dean, sem lamentar seu fim, porque é assim, queiramos ou não, que caminha a humanidade, por vezes ultrapassando nossos desejos pela direita, sem nos dar a chance de, percebendo a tempo essa manobra arriscada, desviando-nos, ao menos adiarmos o choque que é, repletos de cinema, dar de cara, quem sabe se pela derradeira vez, num The End imprevisível, com a realidade – e a ironia é que isso pode render (e como!) mais um filme.

Falo, no entanto, de carinho, sem que tenha, aqui, havido um erro, uma omissão, a falta de uma letrinha.

Mestres em carinho pode haver muitos, ainda que pese sobre eles a série suspeita quanto à pedagogia que os tornou assim, e justamente numa matéria em que se deve ser eternamente aprendiz, como todo bom mestre que se preza, e que, sem abrir mão, em favor de uma modéstia feita num Paraguai caricato, não se rende ao que já sabe, inclusive em matéria de carinhos, e está sempre querendo aprender, mesmo quando, a olhos vistos, é considerado um mestre no assunto.

Lembranças são uma espécie (não sei de que gênero) de bonecas, com a curiosidade de que são brinquedos não de crianças, mas dos já crescidos, não importando se a lembrança em questão já carece de um braço, se a pintura dos seus olhinhos já está descascada, se os fios de seu cabelo (loiro) sintético já ameçam uma calvície. Lembranças são também carrinhos que vivem a rodar em nossa cabeça, ora chocando-se com outras lembranças, ora desviando-se das lembranças de choques, ainda que das suas quatro rodinhas originais só sobrem agora poucas, mesmo uma apenas; mesmo que o volante seja agora somente uma reminiscência do tempo em que, ingenuamente, acreditávamos ter nossa própria vida nas mãos, naqueles dias de juventude – transviada, como, aliás, deveria ser toda juventude.

Lembranças são, enfim, carinhos: e se não são para quem é lembrando, certamente, é para quem, quando um branco inesperado (ainda que previsível, com o tempo) se estabelece na nossa memória, encontra, como elo com a recordação perdida, um filme qualquer, como aquele com Sidney Poitier: como é mesmo que ele se chama?!...




Um comentário:

André Setaro disse...

Obrigado Chico,
Fiquei sensibilizado com a homenagem. Seu texto é muito bom, há estilo, personalidade. Vou 'linkar' o seu blog no meu.
Um grande abraço.